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“Permitam-me que me apresente: segundo a junta de freguesia sou um gato assilvestrado de nove anos. Os amigos mais próximos tratam-me, no entanto, por Zé Garrido, dando-me o nome da rua que escolhi para viver desde que me lembro. Ao longo da minha vida, excecionalmente longa para um gato que vive na rua (farão o favor de evitar a palavra vadio), tive várias companhias, mas a mais constante tem sido esta gata cinzenta com que me veem. Assilvestrada como eu, de vez em quando vai dar os seus passeios, mas até aqui tem voltado sempre. Conta-me coisas que viu e ouviu ali para a Alameda D. Afonso Henriques e eu recomendo-lhe sempre que tenha cuidado com os carros. Uma balbúrdia que, pessoalmente, prefiro evitar.”

Fosse Zé Garrido dotado de linguagem verbal e talvez nos contasse assim a sua vida (realmente longa para um animal de rua) de gato “residente” na Rua do Garrido (no bairro do Alto do Pina, freguesia do Areeiro). Aí, sobretudo em manhãs invernosas, procura o belo abrigo encomendado pela autarquia à empresa Essência das Madeiras, um dos vários da freguesia.
Como explica o responsável por este pelouro, Rudolfo de Castro Pimenta, este é um “programa de colocação de abrigos, adaptados às condições do local onde a colónia está instalada e ao número de animais em causa. Desta forma, para além de promovermos o bem-estar animal e o controlo populacional, requalificamos também o espaço público e reforçamos ligações comunitárias.”
As preocupações com os “Zés Garridos” da zona do Areeiro vão, no entanto, além dos abrigos: “Paralelamente, criámos um banco alimentar animal suportado pela Junta e por campanhas de doação, cujos alimentos são canalizados para as colónias de gatos de rua da Freguesia. Também os fregueses referenciados pelo nosso Núcleo de Acção Social por terem carências económicas e por nós apoiados, contam com o benefício desta medida, minimizando o esforço económico inerente à tutela de um animal. Procuramos também com esta medida, evitar o aumento do abandono de animais, por manifesta incapacidade financeira dos seus donos.”
Como se tratam os animais de rua
Os cuidados veterinários, nomeadamente nos âmbitos da esterilização, vacinação e desparasitação é outra preocupação das autarquias, até porque é de saúde pública que falamos. Na vizinha freguesia da Penha de França, a presidente Ana Sofia Dias fala das acções desenvolvidas em parceria com a Casa dos Animais de Lisboa no programa Capturar-Esterilizar-Devolver, em parceria com o MEG – Movimento de Esterilização de Gatos de Lisboa: “Os gatos assilvestrados são capturados, esterilizados e, uma vez recuperados, devolvidos à via pública. Sempre que têm condições para isso, são encaminhados para a adoção. Quando esta opção não existe, ou quando os gatos não estão integrados numa colónia, são conduzidos para a Associação Tico e Teco, com quem a Junta de Freguesia tem um protocolo, passando a viver numa quinta, ao ar livre e com acesso a abrigos.”
E os cães? “Perante a dificuldade de resposta da Câmara Municipal de Lisboa, a Junta trabalha para capturar os canídeos detetados na via pública e, depois, encaminhá-los para Famílias de Acolhimento Temporário (FAT) ou Famílias de Acolhimento Definitivo (FAD). Se os animais revelam ter algum tipo de enfermidade ou ferimento recebem o necessário apoio médico-veterinário. Em simultâneo, temos ainda um protocolo com a Animal Life, associação que apoia com cuidados médico veterinários para colónias e com a angariação de alimentos para estas e para a Bolsa Solidária Animal da Penha de França.”

O mesmo acontece no Areeiro, onde também são prestados tratamentos médico-veterinários “aos animais de companhia de pessoas com incapacidade económica identificados pelo núcleo de ação social, suportados na íntegra pela junta.” Aqui existe ainda um pombal contracetivo. Como explica Rudolfo: “O objetivo é o controlo populacional de pombos, atraindo-os para nidificarem e substituindo os seus ovos por outros artificiais.”
No Alto do Pina, o Zé Garrido e companheira não têm preocupações de maior com a alimentação. Há um grupo de vizinhas que os acompanha diariamente e lhes assegura o conforto e até o mimo. Uma situação que não pode deixar de agradar à autarquia, para quem o crescente envolvimento da comunidade nesta causa é crucial: “Contamos com o Corpo de Voluntários para os animais que fomentámos, para o acompanhamento das colónias de gatos, a alimentação diária, capturas e devoluções, com o apoio dos serviços da JFA. Desta forma, coordenamos o trabalho dos cuidadores locais, apoiando-os, dando-lhes cobertura institucional e dignificando a sua atividade. Este trabalho voluntário tem sido fundamental para o sucesso das medidas que temos aplicado.”
Ana Sofia Dias também salienta o empenho e a cada vez maior consciencialização dos fregueses da Penha de França para a importância do bem-estar dos animais de rua: “Há cada vez há mais pessoas sensibilizadas para as questões relacionadas com animais. Na nossa freguesia existem bastantes cuidadores fixos de colónias de gatos assilvestrados, estando a Junta em contacto com cerca de 70. Mas existem também cuidadores esporádicos que, sempre que necessário, vão ajudando a cuidar de animais abandonados/assilvestrados, bem como pessoas que nos contactam sempre que é avistado um animal errante ou quando perdem o seu animal de estimação.” Um bom exemplo dessa co-responsabilidade da população foi “a adesão ao pedido de Famílias de Acolhimento Temporário feito pela Junta, para cuidar de animais de pessoas em isolamento após infeção por COVID-19.”
Na verdade, com a pandemia e sobretudo durante o período de confinamento, também as habituais práticas de apoio aos animais de rua foram perturbadas: “Esta crise foi ainda um catalisador para novas medidas no âmbito do bem-estar animal, nomeadamente o passeio de cães de pessoas de grupos de risco, com mobilidade reduzida, em quarentena ou isolamento. Para o efeito, apelámos à ajuda dos fregueses e recebemos inúmeras de candidaturas destes a predisporem-se a passear voluntariamente cães da vizinhança, superando muito a nossa procura.”
Mas esta causa ainda não está ganha. Para ambas as juntas de freguesia, importa apostar em novas campanhas de adopção responsável ou de adequada apanha dos dejectos dos cães. O Zé Garrido, que não aceita ser tratado por vadio, agradece e os fregueses também.

Maria João Martins
Nasceu em Vila Franca de Xira há 53 anos mas cresceu na Baixa de Lisboa, entre lojas históricas e pregões tradicionais. A meio da licenciatura em História, foi trabalhar para um vespertino chamado Diário de Lisboa e tomou o gosto à escrita sobre a cidade, que nunca mais largou seja em jornais, livros ou programas de rádio.
Nem uma foto do Zé Garrido?
Por favor alargem o programa de apoio a outras juntas de Lisboa. Vivo em St Clara e eu e um outro casal alimentamos 3 colónia de gatos diariamente, por vezes encontramos a comida e abrigos mto simples vandalizados, uma tristeza. Quase todos os gatos estão esterilizados com o apoio do mov. animais da rua. Devia o apoio ser desenvolvido por todas as frenguesias. Lamentável a indiferença de alguns Presidentes de Junta.
Há um programa do OP de Lisboa que já instalou estes abrigos em várias freguesias de Lisboa:
https://op.lisboaparticipa.pt/op/projetos/570fa473f41ec1c4356c62a4
Obrigada pela informação, Rui.
A cal casa dos animais de Lisboa instalou também abrigos pela cidade.
Infelizmente o da Penha foi vandalizado.
Esterilizo gatos desde 1998 vê se facto a diferença.
Todas as juntas deviam ter estes programas juntamente com casa dos animais de Lisboa.
Uma iniciativa louvável que deveria se espalhar por todo O país,só acho que algumas das casinhas não têm um acesso muito bom se existir algum gatinho com deficiência e não consiga saltar. Desculpe o comentário,mas nas fotos parece que são muito altas o que é bom ,mas não tem uma rampa para o caso de ser preciso. Bjs continuem
Vivo na margem sul, Seixal, paio Pires, e tenho uma colônia com 10 gatos.
Tive de os esterilizar a todos com apoio de uma associação, mas tive de pagar ainda assim. Eles não têm abrigo, e se fosse possível colocar lá uma casinha dessas seria excelente.
Parabéns pela iniciativa.
Inês Antunes