Nesta série da Mensagem, Fala-me de ti, Lisboa, Ferreira Fernandes (texto) e Nuno Saraiva (ilustração) percorrem lugares de Lisboa e contam as histórias, coincidências e personagens que fazem de uma cidade, uma cidade. Um atlas histórico, de memórias e cruzamentos temporais, em 20 episódios, espalhados por todos os bairros de Lisboa. Tem o apoio da Câmara Municipal de Lisboa.

Há exatamente um século inaugurou-se um monumento no Largo do Chiado sob ameaça de protestos. Alguns literatos consideravam um desplante que ao poeta Chiado – cujo nome a Câmara Municipal acabara de devolver à praça, Largo do Chiado – tivesse sido reforçada a honraria com uma estátua.

Acrescia à polémica uma dúvida tradicional na cidade: afinal, foi o Chiado rua que deu o nome ao poeta, ou este que deu o nome à rua?

Aliás, foi assim mesmo – quem surgiu primeiro? – que o presidente da Câmara Municipal Sebastião Costa Santos abriu o seu discurso na cerimónia da inauguração, a 18 de dezembro de 1925. Mas, talvez por o assunto soar a controverso, logo ele avisou que a “edilidade não pretendia imiscuir-se nessa magna questão”.

Então, destapou a estátua – o poeta em bronze, sentado num banco, inclinado, de braço estendido, coloquial e ricto de quem fala a quem passa – e tudo lá ficou até hoje e ainda bem.

Havia algo que encantava: o banquinho também tinha as duas pernas traseiras ligeiramente levantadas, como se ele inquirisse os passantes. Era um gesto humilde, notável num monumento, pois estes não têm hábito de serem curiosos com o público.

Mas, volto a lembrar, nesta série de artigos, cada um envolto em magnos assuntos (pois a moldura é Lisboa), o mais interessante são sempre as migalhas.

Aquando da inauguração, faltava meio ano para um golpe militar vingar, a anunciar Salazar e o Estado Novo – vivia-se o estertor da República. Uma semana antes da estátua, o Presidente Teixeira Gomes demitira-se. No dia anterior ao Chiado tomar posse da cadeira, o ex-Presidente partia num cargueiro holandês para Orão (Argélia), em exílio até à morte. Quando discursou na cerimónia, Costa Santos ainda nem tinha um mês de câmara municipal e sairia dela na semana seguinte. Enfim, um calendário onde tudo era volátil, como é próprio nos fins de regime.

Atarraxado ao seu posto, só o poeta Chiado à cadeira.

A cerimónia não atraíra muito povo e colegas poetas eram poucos. Número escasso comparado com a multidão vociferante, nessa mesma tarde, ali perto, na Baixa, à porta do Banco de Portugal. Não só muita gente, mas todos líricos, pois convencidos de que iriam ser ressarcidos das notas falsas de 500 escudos, surripiadas por um banqueiro aldrabão, o famigerado Alves dos Reis.

Do Banco, na Baixa, ao banquinho do Chiado, a mesma Lisboa, e esta última era bem mais interessante.

A cerimónia foi contada pelo Domingo Ilustrado, dirigido por Leitão de Barros. Este estava em vésperas do Estado Novo chegar e permitir-lhe, nas décadas de 30 e 40, os filmes (A Severa, Camões…), as marchas das Festas da Cidade e a organização da Exposição do Mundo Português. Culto e atentíssimo às pulsões da cidade, como iria provar, Leitão de Barros adivinhou que o personagem empoleirado na nova estátua, reproduzia a ânsia de Lisboa por mitos arreigados.   

Daí ele ter apostado em André Brun para contar a história dos dois Chiados amalgamados numa estátua. Famoso autor de paródias para teatros de revista (A Vizinha do Lado, A Maluquinha de Arroios…), Brun era isso e mais. Mobilizado para Grande Guerra aos 37 anos, Brun cumpriu as trincheiras e deixou o melhor livro português sobre a carnificina que matou meia geração de rapazes europeus: lama, metralha e espera quietinha. A Malta das Trincheiras – Migalhas da Grande Guerra. 

Era humorista, não era lamechas e tinha compaixão.  

Como os outros jornais, Brun sobrevoou as informações comprovadas que juntaram o poeta António Ribeiro, Chiado de alcunha, frade franciscano, morto em 1591, e o facto de logo desde os anos seguintes, no começo do sec. XVII, haver referências a Chiado-rua.  

Depois, Brun foi por brumas como são tantas vezes os caminhos da nossa cidade.

 A meados de Quinhentos – ali onde hoje é a Rua Garrett que vai dar à estátua – havia um taberneiro a quem chamavam Chiado, porque gritava como as rodas de um carro de bois. À rua e à volta dela, o povo passou a chamar Chiado, pela mesma esquecida razão que faz os acasos acontecerem.

Ora, o frade, poeta jocoso e bebedolas (“em beber sou um Golias”, verso dele), também frequentou tanto aquele lugar que os vapores da taberna lhe subiram ao nome.

Com o cinismo que as trincheiras lhe ensinaram, André Brun mudou de assunto e provocou: se calhar o monumento nem precisava de ter o poeta. Bastava o banquinho.

E propôs: “Todos os dias um homem célebre subiria ao monumento com um letreiro de tirar e pôr, a dizer quem era o festejado.”  E Brun, bebendo na atualidade, deu como exemplo quem podia estar naquele dia em cima do pedestal: “Um homem célebre na fabricação de notas de quinhentos escudos…

Perceberam? As estátuas servem também para explicar que, em Lisboa, isto anda tudo ligado.

Com a proposta, o repórter sublinhava a hipocrisia da polémica. A ninguém incomodava a secular confusão entre os Chiados. O que custava aos corifeus era que um poeta cuja obra maior se chamava O Auto das Regateiras, e de uma adúltera versejara “outro boi lavrou o rego”, ousasse chegar a monumento.

Alguns académicos esqueciam que no tempo do Chiado e do mestre Gil Vicente, em São Nicolau havia a rua do Quebra-Cus e em São Cristóvão, a do Cu do Cão. E por haver as palavras, com elas se falava.

Já em 1880, a pretexto das comemorações de Camões, se tinha tentado que a Rua Garrett subisse até à estátua de Camões, sobrepondo-se à zona que se chamava popularmente Chiado.

Mas o povo não gostou de ver um escritor destronar outro.

Além de que, lá por Garrett ter glorificado Camões, quem foi amigo deste foi o outro, o desbragado. Companheiros de brigas de rua e tabernas, e também de rimas. Chiado chamava o amigo pela alcunha, “Trinca-fortes”, e Camões, no prólogo do seu Auto de El-Rei Seleuco, tomou-o como igual: “Uma trova, fá-la-á tão bem, quem como eu, ou como o Chiado”. Já agora, ainda havia pouco, em 1905, esse elogio subira à cena, no nobre Teatro Dona Maria II.

O povo topou a amizade, acantonou Garrett no primeiro troço da rua e guardou, na memória e fala corrida, Chiado lá em cima. Havia aqui também uma injusta má vontade, porque se o elogio ao Chiado chegou ao Dona Maria II, foi porque Garret o criou.

Mas voltemos ao texto, e este texto é para levar Chiado aos ombros.

Então, naquela tarde de 1925, o que acontecia era outra vez uma ofensiva contra o filho de sapateiro e regateira. O repórter do Diário de Lisboa, que tal como André Brun testemunhou aquele dia, também deu conta: “Não compareceu ninguém da Academia. Nesta indiferença pelo monumento ao Chiado vai também um pouco a indiferença pelo povo, pela sua graça, pela sua insignificância.”

E o vespertino (uma coisa antiga, jornal que contava o que se passara no próprio dia) rematou: “Na Rua Garrett, ao pé de Garrett, talvez Chiado não esteja bem. Mas, exatamente por isso, é que ele está lá muito bem.”

Há cem anos havia quem, embora até aceitando preconceitos, escrevia que o essencial era saber dos rios de fundo onde Lisboa bebia. E dizia que era importante não esquecer os regatos. As migalhas – de que tanto gostava André Brun.

E aqui chegámos a Alfredo Guisado, que esteve na inauguração e foi (garantia O Rebate, jornal do Partido Republicano Português), o vereador da Câmara que levou avante a iniciativa da estátua ao Chiado. Dez anos antes, poeta, ele tinha participado no lançamento da revista Orpheu, movimento modernista que revolucionara Portugal. No número inicial, os sonetos de Guisado estavam magnificamente entalados entre O Marinheiro de Fernando Pessoa e os textos de Almada Negreiros, que se apresentava simplesmente “desenhador”.

O lançamento da Orpheu, em 1915, foi um marco. Numa carta a um amigo, “escrevo-lhe à pressa da Brasileira do Chiado”, Pessoa para dar a dimensão do escândalo disse: “Até o André Brun nos dedicou um número das Migalhas”. As crónicas com este título vinham então no jornal A Capital, mas o Brun era o mesmo que, no Domingo Ilustrado, em 1925, nos caçava as migalhas à volta da estátua do Chiado. Neste último texto, despediu-se Brun, assim: “Safo-me à capucha para a Brasileira” – e lá foi para ali defronte.

Lisboa é uma coincidência constante e nunca aborrecida.   

Como em Pessoa nada era acaso e tudo destino, se calhar seria de dar atenção por as doze páginas do seu texto na primacial revista Orpheu acabarem nestas palavrinhas: “Não muito longe, por uma estrada, um vago carro geme e chia.” Um chiado por uma estrada da cidade…

Os autores da Orpheu, entre outras tertúlias, frequentavam o Chiado e entravam na Brasileira, fundada em 1905. Também o fazia Pessoa desde sempre, embora ultimamente ficasse na esplanada, em bronze como o colega da frente, com pedestal.

Um dia dos tempos antigos, o artista Almada Negreiros foi viver para Madrid e deixou um empregado de mesa da Brasileira do Chiado derreado de saudades. Almada gostava de falar do que fazia, e João Franco apreciava essa honra. Na verdade, o empregado chamava-se Manuel Maria Queimadelos y Vieitez, era galego e “João Franco”, a sua alcunha no café, vinha-lhe da parecença com o político monárquico do tempo do rei D. Carlos. Isto para dizer há quanto andava o nosso João Franco por ali.

tertúlia brasileira anos 20
Tertúlia artística na Brasileira no início do século XX: da esquerda para a direita, Teixeira de Pascoaes, Cristóvão Aires Filho, Matos Sequeira, António Soares, Jorge Barradas, Joshua Benoliel, Augusto Ferreira Gomes, o célebre empregado João Franco e Adolfo Castañe (em pé)

Estava o verão de 1928 a chegar e um grupo de escritores e pintores da Brasileira do Chiado, fartos dos suspiros do João Franco, prepararam-lhe uma surpresa. Meteram-no num táxi e ala para Alverca, com uma mala com cafeteira e café moído. Esperava-o um avião alemão Junkers, da SAP (Serviços Aéreos Portugueses, a primeira companhia aérea a operar em Portugal) – o bilhete Lisboa- Madrid e volta custou 500 escudos, mas notas das boas, Alves dos Reis já estava preso.

No café madrileno Granja del Henar, na calle Alcallá, foi uma festa, João Franco chorou e Almada Negreiros desenhou o amigo com a bandeja, além de que Madrid saboreou pela primeira vez café a sério. Os jornais espanhóis assinalaram a cimeira ibérica e de tertúlia. Outro galego, Don Ramón del Valle Inclán, estava lá e foi reconhecido, tinha longas barbas brancas.

Em Portugal o postal de Almada foi publicado, tal como reportagens no Diário de Lisboa e no Primeiro de Janeiro, do Porto.  

Infelizmente, os literatos da Brasileira do Chiado tardaram em fazer a surpresa ao João Franco. Tivesse ela sido dois ou três anos antes e já então Almada frequentava o café madrileno Granja del Henar, a plateia causar-nos-ia maior estupor por ser tão modernista: teríamos Buñuel, Dali e Federico García Lorca…

Coincidência com consequências foi também o médico Augusto d’Esaguy ser amigo de António Ferro, o editor da revista Orpheu. Ele tinha consultório na rua Garrett e frequentava naturalmente a vizinha Brasileira do Chiado, e a tertúlia de Pessoa e do Almada. Dando um salto no tempo, Esaguy, que era judeu sefardita, iria ser, em 1940, o principal organizador da receção aos refugiados judeus, chegados às dezenas de milhares. Lisboa era, então, o único porto por onde se fugia da ocupação nazi, consumada em quase toda a Europa.

No princípio de 1941, o dr. Esaguy partiu para América, com o maior acervo de fotografias que denunciavam o drama judeu – tiradas pelo fotógrafo e refugiado Roger Kahan. Urgia ganhar essa causa junto ao governo de Franklin D.Roosevelt, ainda reticente em deixar entrar os refugiados encalhados em Lisboa.

As fotografias foram entregues ao comité americano de ajuda humanitária judaica (JCD), sedeado em Nova Iorque. Meses depois, soubemos do médico lisboeta por uma crónica que ele enviou para o Diário de Lisboa, em 15 outubro de 1941. O médico português envolvido numa das questões maiores da II Guerra Mundial, dizia-nos estar no Lower East Side, zona nova-iorquina de fauna intelectual, teatro de vanguarda, escritores, artistas e jogadores de xadrez. Então, ele entrou no Café Royal e viu… o João Franco!

Isto é, Esaguy reparou “num velho criado que conhece a todos os clientes e os títulos dos principais livros e dá curiosas indicações sobre as tendências políticas.” E resume: “Como o nosso João Franco da Brasileira.” No fim da crónica, o expatriado voltava ao assunto, que era tão-só sobre saudade. Que bem lhe saberia ter uma “giratória morna, estranha bebida que o João Franco prepara com água das Pedras, e faz bem ao estômago.”

O mundo em vias de saber do ataque japonês a Pearl Harbor, seria dali a mês e meio, a II Guerra Mundial à beira da reviravolta decisiva, e um cidadão português, porém generoso, a lembrar-se de uma longínqua garrafinha de Água das Pedras.

Os substantivos são sempre bons, mas pequenos, são ainda melhores.

Por isso voltamos a Alfredo Guisado. O que levou o poeta e vereador a ter lutado tanto pela estátua do Chiado? Talvez a condição de filho de galegos, donos de um restaurante lisboeta, o Irmãos Unidos. Mas a pergunta pede mais algumas informações sobre o sujeito principal desta história, a tal estátua.

No exato sítio onde se construiu a estátua do Chiado tinha sido o Chafariz do Chiado – ou do Loreto, ou do Neptuno – o transtorno dissociativo de identidade é um mal benigno do sítio, já vimos. Construído depois do Terramoto, foi belo pela estátua de Neptuno, empunhando um tridente, e muito útil por causa das suas quatro bicas a correr água. Era lá que se enchiam os barris que, às costas de aguadeiros galegos, eram distribuídos por aquela zona da cidade.

Aguadeiros reunidos junto ao Chafariz do Loreto, de Neptuno ou dos Aguadeiros em 1842, por Charles Legrand. Foto Arquivo Municipal de Lisboa

A frase batida “trabalhar que nem um galego” não tem origem certificada, mas a canga de um barril de 50 quilos ao pescoço do aguadeiro, calcorreando a cidade, ajudou a perdurar a imagem.

Quando o chafariz foi desmantelado, em 1859, o lugar ficou chamado “A Ilha dos Galegos”. Um círculo empedrado, onde os aguadeiros se reciclaram como carregadores para toda a obra, moços de frete, sempre maioritariamente galegos. Os clientes chamavam-nos assim: “Pstt!”

Eles tinham boné e uma grossa corda à volta do ombro, para subir e descer móveis nos prédios do Bairro Alto – na década de 1980, ainda havia um numa esquina da Calçada do Combro, em 1980. Lembro-me de o ver, tinha ar presunçoso, dos que sabem que faziam o que ninguém mais. Pelo menos admirei-o assim.  

A memória sendo o mais fundo dos substantivos, levou Alfredo Guisado, que também fazia sonetos em galego, a sentir a necessidade de cunhar a perdida “Ilha dos Galegos” com uma estátua que não deixasse esquecer o tempo e os homens daquele lugar. Puxa-se por um simples fio de Ariadne e descobre-se um mundo.

Foto de Joshua Benoliel, 1907, Largo do Chiado, Ilha dos Galegos, antigos aguadeiros já convertidos em moços de fretes – Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa.

O facto é que Alfredo Guisado tinha um par de casualidades extraordinárias que confirmavam o que esta história nos tem vindo a sugerir. Desde logo, a exata janela onde ele nasceu. Há uma placa de pedra, em parede de prédio do Rossio (hoje é a nova Zara), que diz ele ter nascido ali, no nº 108, onde foi o restaurante e o hotel da família, Irmãos Unidos, não só isso, mas no 4º andar!

Não é de somenos a altura, porque do outro lado do Rossio, em linha reta, fica o 4º andar, da porta nº 26, a casa que foi de Eça de Queirós em Lisboa. Nas Comemorações de Vasco da Gama, em 1898, passou em baixo um cortejo de 30 mil pessoas. Carta de Eça, à mulher, em Paris: “Aqui no Rossio, tive a minha pequena ovação, que agradeci do quarto andar. Os pequenos teriam apreciado estes vivas.” Os pequenos eram os filhos, quatro, dos 4 aos 11.

Do outro lado praça, em linha reta e à mesma altura, era o quarto de Alfredo Pedro Guisado, de 7 anos. Teria sabido da cena acontecida com o vizinho da frente? Em 1898, o pequenito Alfredo ainda são saberia dos três monstros sagrados do sec. XIX, Garrett, Camilo e Eça. Mas em 1915 ele já era do Orpheu, dos modernistas que sacudiram a asfixia dos consagrados e expuseram um génio maior, Fernando Pessoa.

O restaurante Irmãos Unidos, no prédio que hoje é da Zara, e o quadro pintado por Almada Negreiros que está hoje na Casa Pessoa. Foto:DR

Muitos anos depois, 1954, a vontade ainda estava acesa. O restaurante Irmãos Unidos, do sócio Alfredo, encomendou ao colega Almada um altar. E ele pintou um deus inteiro. O chapéu preto, os óculos sem aros, o bigode circunflexo, a borboleta por laço, o cigarro entre os dedos, a folha a pensar, caneta pousada, chávena e bica e com um talvez ao lado, e assinando por tudo, a Orpheu 2 por bíblia. Sob o tampo, dois pés negros cruzados num chão de arlequim.

E então, como aqui se estava dizendo… Ah, já sei, o Chiado de bronze está sentado num banco, inclinado, de braço estendido, coloquial e ricto de quem fala a quem passa. E o gesto é tão forte que arrasta o banquinho de bronze, que também se inclina. Esta Lisboa convoca quem fala e quem escuta. Junte-se o leitor também…

Por estes dias, há mais de um ano, António Ribeiro Chiado tem um interesse particular.

Sob ele, Lucas Pina, um jovem cantor enche o largo, multidão ao fim da tarde, cada dia. Ele disse-me que era de São Tomé, veio estudar para o Politécnico de Bragança, mas aqui encalhou. Eu disse-lhe que ele devia chamar-se Lucas de São Tomé.

Lucas Pina a atuar no Chiado. Foto: Líbia Florentino

E comecei a puxar por fios que não nos prendem.

Em 1627, os primeiros negros chegaram à então Nova Amesterdão, ainda não se chamava Nova Iorque. Vieram num barco holandês e dos desembarcados há uma lista com onze nomes assim: Paulo d’Angola, Antony Portugese, Simon Congo, Pieter Santomee… Este último teve um filho, Lucas Santomee, que foi o primeiro médico negro dos Estados Unidos. Tivemos a conversa com o frade inclinado, curioso. Ia eu a apresentá-los: “Este é o…” 

– Então eu não sei?! – cortou o Lucas.

Este mapa de 1672, do francês Gérard Jollain diz representar Nova Amsterdão, na América. Mas afinal, era copiado sobre um mapa de Lisboa da época. A catedral de Lisboa é a Câmara, o Terreiro do Paço , o Almirantado, e o Castelo de São Jorge, o Castelo de Nassau, os navios no Oceano Atlântico são os do Tejo, diante de Lisboa. Esta imagem mostra como Lisboa abarca várias épocas do mundo, e estes textos mostram-no, no presente. Precisamente nesse ano, em 1627 chegaram os onze primeiros negros à que viria a ser a cidade de Nova Iorque (naquela altura ainda Nova Amesterdão). Não eram escravos e um deles, Pedro de São Tomé, na lista de desembarque escrito como Pieter Santomee,  teve um filho, Lucas Santomee, que foi o primeiro médico negro do que viriam a ser os Estados Unidos. O poeta Chiado, séc. XVI, passando por Lucas Santomee, séc. XVII, para chegar ao Lucas, de São Tomé, séc. XXI… e sempre Lisboa

E os três lisboetas trocámos um piscar de olho.

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Ferreira Fernandes

Nasceu em 1948 em Luanda. Jornalista – um ponto é tudo.

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