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Foto: Américo Simas/ CML

Na origem dos Centros Históricos está, obviamente, a História local, regional e/ou nacional, em suma, o seu passado que lhe confere importância e atratividade no presente. Em cada caso uma ou outra atividade – política, administrativa, patrimonial, cultural, social, económica, etc…, terá deixado marcas, mais ou menos vincadas, algumas perdurando até à atualidade, não sendo despiciendo o contributo que o comércio em particular sempre assumiu nesse contexto.

A questão que se poderá colocar é saber como serão, poderão ou deverão ser os Centros Históricos no futuro.

É este o exercício de prospetiva, com recurso a uma descomprometida construção de cenários prováveis, a que me proponho.

O futuro próximo dos Centros Históricos far-se-á, em boa parte, de regeneração urbana, devendo esta ser entendida e perspetivada como um mix de componentes a potenciar – o património, os valores, as tradições, os afetos e as denominadas funções de proximidade – a habitação, o lazer, a cultura, o turismo, o comércio, os serviços, etc.

O conceito de proximidade deverá, no entanto, e numa ótica porventura mais direcionada para o comércio e serviços, para focar uma vertente que me é mais “próxima”, ser entendido, como o ponto de interseção entre a oferta e a procura, no sentido em que se consiga satisfazer em pleno necessidades efetivas da(s) procura(s), seja dos habitantes do centro histórico, da população local (cidade/concelho/região/…), dos visitantes, dos turistas ou qualquer outra que seja atraída pelos fatores singulares, e por isso distintivos, que determinado Centro Histórico “oferece”.

O Centro Histórico, independentemente da(s) vontade(s) / necessidade(s) dos diversos públicos, mas também, da predisposição para a ação dos seus principais atores, tem um capital único que importa valorizar, residindo na conjugação destes dois eixos aquilo que poderá definir e delimitar o seu futuro próximo, num horizonte dos próximos 10 a 15 anos.

Em suma, a oferta (o capital “funcional” do centro histórico e as vontades / o envolvimento dos stakeholders) e a procura (as vontades / necessidades) dos públicos.

Os Cenários para o Futuro dos Centros Históricos

Simplificando, podemos ter num dos eixos o confronto (melhor dizendo, a evolução) das vontades efetivas (herdadas ou recriadas, velhas ou novas), seja dos principais atores intervenientes no centro histórico, como das suas procuras (atual e/ou potencial), designadamente, autarquias, estruturas associativas, residentes, etc., mas, também, clientes, consumidores, utentes, etc., no que se refere não só a ideias, projetos, medidas e/ou ações a empreender no Centro Histórico, mas também ao papel e responsabilidades assumidas pelos mesmos.

No outro eixo o capital existente a potenciar e/ou o capital a “construir” (sejam as competências e valências já detidas, como também as que se venham a adquirir).

Os vários cenários possíveis

Os quatro cenários desenhados, apontam, em síntese, para:

1 Centro Histórico de “FRICÇÕES” onde se HERDAM Vontades. Está presente a ideia de que o Centro Histórico possui um Capital próprio que foi acumulado ao longo dos tempos, prevalecendo o inicial (original) e fazendo com que viva essencialmente da herança passada. Há uma clara fricção entre aquilo que o centro histórico preserva e aquilo que os agentes económicos locais dele pretenderiam como condição básica para atrair e fidelizar públicos. Paira no ar algum apego ao passado, ao simbolismo e um certo sentimento nostálgico que conflitua com a evolução da procura e a adaptação necessária. Em termos de comércio e serviços defende-se e pratica-se a especialização, tendo por base a oferta existente, a qual assenta nos argumentos de um setor tradicional que não se terá adaptado atempada e convenientemente aos novos tempos e às novas vontades. De facto, neste cenário “retrospetivo”, a procura apenas consome aquilo que o Centro Histórico tem para oferecer.

2 Centro Histórico de “(MULTI)FUNÇÕES” onde se SATISFAZEM Vontades. Verifica-se uma evolução que aponta no sentido de que o Centro Histórico se vai dotando de novas ofertas que visam satisfazer novas vontades, fruto de necessidades originadas pelos novos tempos e da concorrência movida por outros “formatos” (não só comerciais) que se instalam também nas periferias. A ideia de preservação do existente é substituída, na melhor das hipóteses complementada, pelo conceito de dinamização, reconhecendo-se a importância daquilo que existe, mas também de o poder divulgar de uma forma mais ampla. O capital detido pelo Centro Histórico é valorizado, sendo que a aposta na diversificação das ofertas assenta na ideia de multifuncionalidade do “espaço”, que procura ir ao encontro das necessidades emergentes da(s) procura(s). Neste cenário ”introspetivo”, a oferta adapta-se àquilo que a procura tenciona comprar, tentando sempre, e na medida do possível, ir ao encontro das necessidades sentidas e manifestadas pelo(s) público(s).

3Centro Histórico de “FRUIÇÕES” onde se (RE)CRIAM Vontades. Nota-se -uma preocupação com o efeito de tentar replicar as boas experiências, tanto a nível das funções oferecidas como de novas experiências proporcionadas ao(s) público(s), seja de compra, consumo, ócio, lazer, cultura, etc… A visão de “perspetiva” é assumida no sentido em que há preocupação com a criação de um novo “espaço” ou recriação de espaços cujo poder de atratividade se revela quase infalível. As ofertas disponibilizadas pelo Centro Histórico possibilitam à procura a satisfação de vontades, mas também induzir novas vontades. O cliente acaba por ir sempre mais além, alterando, inclusive, comportamentos de compra, usufruindo da(s) nova(s) oferta(s) e de toda a envolvente que lhe é proporcionada.

4 Centro Histórico de “PROJECÇÕES” onde se INOVAM Vontades. Poder-se-á estar num hipotético cenário ideal, onde a virtude consiste na antecipação das vontades emergentes da procura, antecipando tendências, projetando novas ofertas, criando novos produtos, inovando nos conteúdos, fomentando o empreendedorismo.

Assumindo a concorrência de outras polaridades, constrói-se uma oferta assente no capital criativo, indo beber nas fontes emergentes do saber, apostando em conceitos como inovação e o empreendedorismo, com vista à “reunião” de uma multiplicidade das (novas) ofertas, apostando na coabitação de multivalências funcionais que permita abarcar um largo espectro de procura(s).

A cultura de um espaço de excelência que atrai os melhores recursos, acumula capitais distintivos e valoriza competências sobrepõe-se, inovando inclusive na indução de novas vontades sentidas pela procura, criando novas valências e assumindo uma postura de desafio pela liderança na competitividade com outros territórios.

O marketing assume-se como ferramenta essencial na organização e na gestão do espaço, conduzindo à disseminação do projeto e sua replicação para outros centros históricos. A visão e o cenário “prospetivo”, mais do que assumidos, são práticas efetivas.

Em conclusão, uma das vias possíveis de encarar a questão do futuro dos Centros Históricos consistirá na abordagem do problema numa perspetiva mercadológica, isto é, assumir a adoção de lógicas de mercado (binómio oferta / procura) que os promovam junto dos públicos-alvo, enaltecendo os seus principais fatores críticos de sucesso – atratividade, competitividade, habitabilidade e avisibilidade.

Tanto para os cenários traçados,como para os fatores críticos de sucesso, tudo se pode resumir a uma palavra-chave – gestão!

João Barreta é especialista em gestão do território e especialista em Urbanismo Comercial, ex-Diretor Municipal das Atividades Económicas da Câmara Municipal de Lisboa, membro da Direção da extinta-Agência para a promoção da Baixa-Chiado. Foi galardoado com o Prémio Mercúrio 2022 – “O Melhor do Comércio e Serviços”.

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