Há alguns dias partilhei a fotografia do meu convite para a Festa dos 25 anos do Lux. Entre entusiasmos e invejas, deparei-me com um comentador intrigado. Queria perceber o fascínio pelo Lux. 

Era uma dúvida legítima, mesmo quando não disfarçava um certo desdém. Pensei em responder alguma parvoíce, mas preferi guardar para a literatura. Para além de ser um assunto, também era um ângulo — assim como o momento certo para pensar nos meus fascínios em relação ao Lux, idealmente para conseguir expô-los. 

Achei produtivo olhar para um dos locais mais sagrados para sair à noite na cidade de Lisboa e tentar apresentar alguns dos fascínios sentidos nesta discoteca, ao passar por ela ou depois de lá ir. 

Deixo já o aviso, sou deslumbrado por locais com vibrações muito próprias, sobretudo quando são fruto de um génio capaz de guiar outros génios. Com a visão certa, o sonho de uma discoteca pode transformar-se numa discoteca de sonhos. 

Estes fascínios não estão ordenados de forma ascendente ou descendente. Nem sequer poderiam ser classificados numa lista deste género, porque estão interligados e, mesmo se não estivessem, seria difícil colocar uns acima dos outros, quando têm razões tão boas para aqui estar.                           

Fascínio I

Um edifício à beira do rio

O Lux é praticamente indissociável das suas características — fama de fino, uma certa fumarada alcóolica, música electrónica. O Lux e o Rio Tejo não estão só lado a lado, são um par. A importância da sua localização e da sua arquitectura é essencial. 

As nossas existências físicas são limitadas pelos nossos corpos, mas no Lux tornamo-nos parte de um edifício maior, onde cabemos todos. Isso sublinha a força da arquitectura e de como se pode tornar um ícone. 

Sim, o meu primeiro fascínio pelo Lux será sempre o seu edifício único, destacado na zona marítima pelo seu desenho, mas também pela forma como se decora. Já o vi de pernas abertas, mas prefiro as bolas de espelho gigantes e as poltronas para quando os pés já deram de si na pista. 

Antes de ser discoteca, tinha funcionado neste espaço uma empresa de estiva, igualmente adequada à localização ribeirinha. E antes do Lux ter inaugurado neste edifício com uma festa de arromba, foram várias as festas organizadas por Manuel Reis em diferentes espaços à beira-rio.

Quase tão importantes como a arquitectura da discoteca, com um piso de bar, um piso subterrâneo e um terraço, são as duas gruas, Vigorosa e Poderosa, bem presentes no convite para a festa deste ano. 

Ver o nascer do sol da varanda do Lux relembra-nos uma certeza: o sublime tanto é fugaz, como se repete. 

Fascínio II

Um epicentro para várias artes

Na visão do Manuel Reis, um dos programadores artísticos mais originais do nosso passado recente e a mente fundadora por detrás do Frágil e da discoteca Lux, a arte foi feita para colidir. 

Já tive conversas sobre ele com amigos, como o Tiago Manaia ou o Diogo Potes. Tiveram o prazer de conhecer o seu génio, mas também o seu crivo elevado, fruto de um critério recheado das melhores referências. Um bom exemplo seria a exposição Paradisaea, na altura da celebração dos vinte anos do Lux, onde era fácil perceber o nível de sensibilidade. Também gosto muito dos cartazes às camadas. 

Do design gráfico à música ao vivo, o Lux é um epicentro para várias artes e deve ser esse o motivo para tantos artistas se sentirem à vontade na discoteca. Alguns deles, demasiado à vontade como o João Botelho, já fazem parte do colorido. De realizadores a artistas plásticos, toda a gente consegue encontrar no Lux um local para se soltar à vontade. 

Se existisse ordem no mundo e se esta lista não fosse um reflexo desse mesmo caos, este seria o primeiro apontamento de todos, decerto o mais importante para mim. 

Fascínio III

O passado torna-se presente

Hoje em dia, parece difícil pensar no Bairro Alto como um local sem noite, mas para explicar o fascínio pelo Lux, é preciso dar esse passo atrás, num regresso ao Frágil. Porque se o Lux-Frágil se deu ao luxo de perder o seu epíteto, também precisou dele para se estabelecer tão rápido e com tanta pompa. O Frágil abriu em 1982 e marcou uma mudança no comportamento de quem saía à noite em Lisboa. 

Quem não se lembra das fotografias do António Variações por lá, ora a dançar, ora a pentear a clientela? Para quem não se lembrar, ainda está no ar o arquivo do Frágil, uma recolha de fotografias que o Lux tornou disponíveis para quem precisasse delas. São fascinantes. 

O culto da dificuldade em entrar no Lux também vem desde os tempos do Frágil, célebre pela viseira de onde a porteira espreitava. Esta dificuldade acrescida, partilhada com clubes icónicos como o Berghain, é uma barreira e ainda assusta quem frequenta o Lux (e provoca tantas más reviews no Google). Ainda hoje se roçam cotovelos com figuras da cultura e da política, de uma forma tão banal como blasé. Para isso, só é preciso entrar. 

Lembrarmo-nos deste histórico pode ajudar a fila da esquerda a tornar-se mais tolerável e a da direita ainda mais especial. 

Fascínio IV

O Lux como lugar de excelência para ouvir música

No bar, na pista, e até na casa de banho para enrolar um cigarro sem cotoveladas, sente-se a batida cristalina a entrar pelo corpo com uma qualidade sónica superior à do HK (cuja alcunha era “Temple of Sound”). Isto não é techno, é cardio. É possível aguentar-se este ritmo sem drogas, sou a prova viva disso. 

A música mantém-se como um dos principais motivos do meu fascínio pelo Lux. Quer seja pelos acts estrela-cadente – só vi uma vez como Francis Dale e Isaura em conjunto -, quer por outros, como Nina Kraviz – vistos tantas vezes que fica difícil não arranjar espaço para mais uma.

Idealistas compreendem o meu amor pelo piso de baixo, mas também é giro curtir no bar. Varanda, brisa. Quando penso nisso, das noites de Hip Hop às festas da Chungaria, o Lux teve um papel importantíssimo no desenvolvimento dos meus ouvidos. 

Fascínio V

Para além de receberes o convite, foste convidado

O convite para uma festa de aniversário do Lux tem algo de artefacto. Tem o poder de causar inveja. Desperta reacções, mas também desperta preocupações acerca da indumentária.

Um convite para uma festa do Lux não é um convite qualquer. É uma sensação de termos sido aceites e logo numa cidade onde tanta gente anda à procura de se destacar. Ao ponto de oferecer dinheiro a quem o recebeu? Definitivamente. 

Na minha pesquisa de fascínios pelo Lux, descobri uma história óptima. Contada pela radialista Isilda Sanches ao Ricardo Farinha, no seu longo artigo acerca dos vinte anos do Lux no Rimas e Batidas. Chegaram a oferecer-lhe dez contos pelo seu convite para a inauguração da discoteca.

Posso confirmar-vos, com prazer, que esse culto se mantém vivo. Nunca recebi o convite para a festa do Lux sem ter recebido uma oferta para compra pouco tempo depois enquanto me gabo dele. O fascínio torna-se evidente. Estas festas são eventos de parar a cidade, onde a fila consegue ficar ainda maior do que nas noites de verão onde os turistas decidem desafiar a segurança e tentar a sua sorte para entrar dentro da discoteca. 

Este ano, o convite do Lux era motivo de entusiasmo por si só. Como uma boa obra de arte, não só pelo seu conteúdo, como pela forma. Vou meter a maquete da discoteca na estante. Também gostei daquele que dava música. 

Vemo-nos hoje para a festa?


Nascido e criado em Setúbal, no Bairro do Viso. Mudou-se para Lisboa para seguir a carreira em publicidade, em agências como J. Walter Thompson e Solid Dogma, onde ganhou prémios Eficácia, Meios e Publicidade e Clube de Criativos. Publicou dois livros independentes, incluindo Nova Lisboa, um longo queixume contra a gentrificação. É pós-graduado em Artes da Escrita pela FCSH. O seu primeiro romance chega em 2024 pela Penguin. Sonha ser amigo de todos os gatos vadios de Lisboa. 


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