De acordo com o Cambridge Dictionary, F.O.M.O., que significa “fear of missing out”, representa o medo que as pessoas sentem ao compreender que estão a falhar — ou falharam! — programas excitantes, levados a cabo pelos outros. É caso para dizer “been there, done that”. Mas chega de expressões (estrangeiras); este não é um texto para inglês ler.

Sexta-feira em Lisboa. O sol está em queda. A lua, entre bocejos dignos de um trabalhador noturno, prepara-se para mais uma noite. O dia de trabalho chega ao fim. A semana de trabalho chega ao fim. Há quem regresse a casa para recarregar baterias em forma de banhos frescos. Há quem não tenha sequer saído de casa — porque esplêndida é a arte de teletrabalhar. E há quem saia diretamente da firma vil em direção à tasca, que será o ponto de encontro dos amigos, cujas amizades aparecem conservadas em sal, mas não só: também em imperiais, croquetes, rissóis, cestos de pão, patês e manteigas, copos de vinho, pratos gordurosos, sobremesas e cafés escaldados.

Difícil é escolher o espaço para o concílio semanal da amizade; selecionar a ementa não é mais fácil — apenas comer é simples. Quase sempre, o restaurante é escolhido no próprio dia; todos sabem que, nas melhores casas, há sempre espaço para mais dois, três ou cinco (mesmo que o Chefe suspire e revire os olhos). Contudo, há vezes em que surgem disputas, porque cada pessoa tem barriga e gostos próprios, e quem assume o papel de decisor é a democrática sondagem do WhatsApp, que nem espera pelos membros distraídos — refiro-me, claro, aos trabalhadores concentrados e esforçados, para quem a chegada do fim-de-semana está sempre longe demais.

Progresso. Decisões: lá se escolhe um tasco.

Por razões claras, nem todos chegam a horas. A verdade é que, se as pessoas fossem todas certinhas e pontuais, estes jantares seriam muito menos característicos. À noite, tudo pode acontecer, mas há eventos predeterminados — um dos membros desculpar-se-á, culpando a cidade de Lisboa e o seu excesso de carros: “Estava impossível para estacionar”. Não viesses de carro, então!

Eventualmente, já estão todos sentados e com a carta na mão. (Certamente, dois ou três tu-que-fumas estão à porta a fumar, justamente. Estes costumam passar procurações aos não fumadores, a quem confiam os seus pedidos gastronómicos.)

O festim já pode começar, e os empregados de mesa, que tiram a pinta a qualquer um dos membros da eclésia, começam a sugerir pratos, consoante a indecisão dos garfos. E está tudo bem. Os fumadores já estão de regresso, voltando para matar imperiais. 

Assim, a mesa, que é de madeira, passa a ser dos amigos; no papel que a cobre, muitas histórias podiam ser escritas, porque os amigos não têm tento na língua (mas, em breve, terão fios de rojões), e relatam episódios do passado e imaginam cenas que serão reveladas pelo futuro.

E é aqui que eu entro. Enquanto observo o que se passa nos arrabaldes do tasco (a cozinha), ouço as postas futebolísticas e mirabolantes, vindas da mesa do lado, sobre o meio-campo do Sport Lisboa e Benfica, e passo os olhos pela televisão, que não conhece outro canal para além do que está na posição oito, não sinto F.O.M.O., mas sim F.O.M.E. — “fear of missing entremeada”. O Sr. Manuel, um homem de confiança, garante-me que é uma especialidade. Eu acredito nele. E acredito em Lisboa e nas suas tascas, porque são casas que nos recebem tão bem.

O autor escreve com o antigo Acordo Ortográfico.


*João Salazar Braga nasceu em Lisboa, em 1998. Depois do curso de Direito, tornou-se copywriter. Passa o dia a escrever para os outros e as noites a escrever para ele.


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João Salazar Braga nasceu em Lisboa, em 1998. Depois do curso de Direito, tornou-se copywriter. Passa o dia a escrever para os outros e as noites a escrever para ele.

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