A apenas 60 quilómetros da cidade de Lisboa, e junto à fronteira que dita Lisboa como distrito, o rio Tejo revela-se quase como um tesouro desconhecido. As margens são verdes, onde os salgueiros (árvores choronas) contracenam com choupos, bordos japoneses e freixos. Há bandos de aves diversas e cavalos lusitanos a pastarem soltos na natureza. A água é doce e calma e o rio um lugar de silêncio.
É assim no cais de Escaroupim, em Salvaterra de Magos, onde os netos de pescadores fizeram nascer um passeio amigo do ambiente.
O rio como herança familiar
Seguimos num barco elétrico com design vintage, guiados por Rui Domingos, um dos irmãos fundadores da Rio-A-Dentro. Começou como ideia e virou negócio em 2011, para levar os curiosos à descoberta do tesouro mais bem guardado de Lisboa, mas que ainda tem muito por onde descobrir: o rio Tejo.



Neto de um pescador avieiro, Rui Domingos aprendeu desde cedo a respeitar o rio Tejo e a descobrir todos os seus encantos. Seguiu o legado dos avós maternos, fundadores de Escaroupim como Aldeia de Pescadores. Ele e o irmão Luís, que ali nasceram e cresceram, no lugar onde os pais ainda moram.
“Desde criança que eu e meu irmão Luís ouvíamos as histórias que o meu avô contava sobre as plantas, os peixes, as aves. Foi através dos seus olhos que descobrimos este rio maravilhoso, cheio de vida e paisagens únicas. Eu nunca me imaginei a viver muito longe sem poder cá vir. Sinto também que devem ser as pessoas que amam a aldeia a fazer alguma coisa por ela. Se não formos nós quem será?”.
A rota que hoje os irmãos organizam passa por entre ilhas de vários tamanhos e feitios, canais secundários e pequenas praias desertas de areia limpa. Paisagens familiares para os irmãos, mas desconhecidas para a maioria das pessoas.






Rui conta como este é “um projeto sonhado e trabalhado desde os finais dos anos 90”. Ele que outrora foi diretor de arte em agências de publicidade, um homem tornado lisboeta e a levar uma vida atribulada. “Não é fácil mudar a vida toda de uma vez. Desligar todos os botões que temos em funcionamento numa cidade como Lisboa. É quase uma utopia.” Mas ele conseguiu.
Hoje, a rotina não é a mesma, como nenhum passeio a bordo deste barco é igual. “No rio, não há dois dias iguais. Não conseguimos ter dois passeios exatamente iguais. E nem é preciso esperar pela mudança de estações ou de horário. Basta mudar a maré e já temos um passeio totalmente diferente”, explica o guia.
Porque até a paisagem muda. Na Primavera, por exemplo, “tudo fica verde de repente, com milhares de aves a nidificar na ilha das Garças, os cavalos lusitanos a pastarem livremente na ilha dos Cavalos e a ilha dos Amores é irresistível para um banho”.
Qualquer que seja a altura do ano, Rui prefere a viagem feita pelos canais secundários – é aí que diz estar o verdadeiro tesouro do Tejo. Navegar literalmente por entre bunhos e taboas, dignas de qualquer imagem do Amazonas, é uma aventura. E, para este guia, “é quase como se estivéssemos em África ou noutro continente”.
A região de Escaroupim será o último terço navegável do Tejo graças às marés e os seus ciclos, que são fundamentais para os habitats das aves e peixes. É nas praias, nos esteiros e nos lamaçais que se alimentam.
A ilha das Garças
Demoramos cerca de dez minutos até alcançar a ilha das Garças, a partir do cais de Escaroupim. Aqui, centenas e centenas de aves nidificam.

“A época de nidificação começa em março e prolonga-se até agosto. A ilha das Garças abriga sete espécies diferentes: coelheiro, Íbis preta, Garça-cinzenta, Garça-branca-pequena, Garça-boieira, Garça-noturna e Garça-laranja). Mas há também gansos do Egito, uma espécie invasora. Existem colónias de Andorinhas-das-barreiras, Abelharucos, Águias-Calçadas e Milhafres-pretos. Só para falar das mais comuns, mas existem sempre muitas outras espécies que escolhem o rio para nidificar”, conta Rui Domingos. Em 2018, por exemplo, foi avistado um Mergulhões-de-poupa, “o que foi uma novidade e este ano já cá andam vários casais”.
No geral, há aves no estuário do Tejo o ano inteiro e em particular em Escaroupim, pois o rio é uma zona fundamental para a sobrevivência de muitas espécies que aqui encontram alimento e refúgio.

Na Primavera chegam as aves que vêm do Norte de África e aqui nidificam antes de partirem no final do verão. Logo são substituídas pelas que vêm do norte da Europa, para passar o inverno aqui. E ainda há as aves residentes no estuário.
A época alta é sempre a partir da primavera até outubro. Mas se o inverno não traz tanta paisagem de aves, mostra outra com diversas espécies de árvores e plantas, a mudarem de cor entre amarelos, laranjas, vermelhos e castanhos.
Cavalos lusitanos à solta
A ilha dos Cavalos atrai todos os olhares para os vários cavalos lusitanos a pastarem livremente.
“Nos anos 70, as duas ilhas dos Cavalos eram ligadas à terra, mas agora os cavalos nadam para ali chegarem. É a mesma manada em descendência, são só éguas e um alazão”, relembra Rui, ao mesmo tempo que chama a atenção para as manchas brancas na cara e nas patas dos cavalos.

A passagem pela ilha dos Amores assinala o caminho para Valada, uma pitoresca aldeia ribeirinha. Daí, então, adentra-se nos canais secundários cheios de vegetação, arbustos, juncos e as libélulas, libelinhas, alfaiates e borboletas a esvoaçar pouco acima da superfície da água. Ali, onde também boiam os jacintos aquáticos e os lírios do campo.
No verão, há a possibilidade de parar numa ou noutra praia deserta de areia limpa e tomar banho ou pôr os pés na água e caminhar descalço pela praia. “Há um passeio ao entardecer, entre as 17:00 e 20:00, além dos passeios de manhã, das 10:30 às 13:00, e de tarde, das 14:30 às 17:00”.
Rui Domingos conhece o território como se fosse seu e, por isso, sabe que, se a ideia do passeio for fotografar as aves, o ideal é fazê-lo de manhã. Já para as famílias com crianças, devem preferir o período da tarde. “E ao entardecer o passeio é mágico pela mudança das cores no céu”, detalha o guia – que ainda aconselha uma visita ao museu “Escaroupim e o Rio” e à Casa Tradicional Avieira.


O cuidado ambiental
“Aprendi desde muito cedo a reconhecer o quanto é bonito e único o nosso rio Tejo. Proteger e cuidar do nosso Tejo foi sempre um objetivo da Rio-A-Dentro.” Rui lembra que, ao longo dos anos, foi testemunha das transformações que o rio tem sofrido e das consequências de um desenvolvimento que, na verdade, foram retrocessos e atropelos que afetaram os ecossistemas.
“Com a criação da Rio-A-Dentro, queríamos provar que é possível trazer desenvolvimento e seguir as melhores práticas ambientais.”

A utilização de um barco com motor elétrico, amigo do ambiente, que não liberta CO2, nem óleos e nem faz barulho foi logo a primeira decisão de Rui e o irmão Luís ao lançar a empresa. Mesmo quando decidiram ter outros barcos e tiveram de optar por motores a combustão, fizeram questão de escolher modelos menos poluentes, apesar de bastante mais caros.
“Decidimos que o melhor caminho era evocar o espírito de aventura das expedições do século XIX. Com este design vintage, que ainda mantemos em todos os nossos barcos, conseguimos dar um pouco de charme extra aos nossos passeios. Afinal até faz todo o sentido, pois o Tejo era e ainda é em parte um rio desconhecido e por descobrir”, explica Rui.

Talvez por isso, em 2014, recebeu a Menção Honrosa de Melhor Animação Turística pelo Turismo do Alentejo e Ribatejo.
“Penso que com o nosso exemplo, com a nossa microescala e com as nossas limitadas possibilidades estamos a conseguir”, orgulha-se. “Cada pessoa que a Rio-A-Dentro consegue trazer para conhecer o nosso Tejo é um potencial amigo e defensor do rio. Conhecer para preservar é o principal.”
Para incrementar ainda mais este objetivo e cuidado ambiental, a empresa tem parcerias com a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (Spea), com a Liga para Proteção da Natureza (LPN) e com a Quercus.
“Ninguém nos obriga a ter preocupações ambientais superiores às que a lei impõe, mas nós exigimos de nós mesmos. Ninguém nos obriga a retirar o lixo do rio – garrafas de vidro e de plástico às centenas, sacos de plásticos, sofás, frigoríficos e até uma arca frigorífica já retirámos porque não gostamos de ver o nosso rio assim pouco cuidado.”
*Nysse Arruda é jornalista especializada em náutica, autora de diversos livros sobre regatas oceânicas internacionais, fundadora e curadora do Centro de Comunicação dos Oceanos-CCOceanos – a série de palestras livestream e presenciais a abordar os mais diversos temas relacionados com os oceanos, conectando os países de Língua Portuguesa e tornando Portugal um polo de partilha de informação atualizada sobre os oceanos.

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Boa tarde, qual valor do passeio
Boa tarde, gostava de saber o que é necessário fazer para se fazer o passeio de barco, tem que ser marcado com antecedência e com quem?
Obrigada
Muito interessante, pretendo lá ir
Bom dia, Eugénia
Terá de contactar a empresa Rio-A-Dentro: https://www.rio-a-dentro.pt/?ln=pt
Obrigada por nos ler!
Bom dia, Carla
Terá de contactar a empresa Rio-A-Dentro: https://www.rio-a-dentro.pt/?ln=pt
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