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Reportagem publicada originalmente a 10 de abril de 2023
Quem pensa que a luta contra as alterações climáticas restringe-se à juventude de cabelos vivaços, uns até tingidos em tons de verde e azul, pode estar enganado. Em Lisboa, a batalha pela salvação do planeta também é a bandeira de uma experiente geração cujos fios prateados já despontam por entre as madeixas. São a Frente Grisalha pelo Clima.

Uma geração grisalha com histórico de luta, não só pela causa ambiental, mas por tantas outras causas que nas últimas décadas foram igualmente dignas de luta. Mães e pais que agora se unem aos filhos nas manifs nas ruas e ocupações de escolas e repartições públicas por todo o país. São os chamados “cotas”, preocupados não apenas com um presente digno como com um futuro melhor para os seus “putos”.
Preocupados, sobretudo, se terão eles um futuro.
Uma luta sem ligação política, mas com a missão de a mudar
“A Frente Grisalha tem motivações políticas”, explica Mariana Pinto dos Santos, 47 anos, historiadora de arte, professora e editora da Edições Saguão. “É uma ação política no sentido lato do termo, de tentar interferir na pólis”, completa a amiga de longa data, a jornalista Sara Figueiredo Costa, 44.
Mariana e Sara conheceram-se no corredores faculdade e, desde os tempos académicos em Lisboa, ainda com os cabelos negros incólumes ao inevitável passar dos anos, ambas já participavam em movimentos sociais e manifestações pelo clima e não só. Em novembro do ano passado, inspiradas pelas ocupações de estudantes em escolas e faculdades (com a vontade de fazer parar o país só para os ouvir dizer como as alterações climáticas estão a pôr o mundo em risco), decidiram regressar às ruas.
E voltar a interferir na pólis como faziam há mais de 20 anos, pedindo mais respeito à Terra e aos cabelos brancos que hoje vestem.

O modus operandi
Se há uma data de fundação possível para a Frente Grisalha pelo Clima, seria o último 12 de novembro, quando um grande protesto saiu às ruas de Lisboa para lamentar o “fracasso climático” das medidas que governantes de todo mundo se comprometeram em tomar para tentar travar o aumento médio da temperatura do planeta nas próximas décadas em 1.5 graus.
Um dia antes, quatro jovens tinham sido detidos pela PSP após ocuparem durante uma semana as dependências da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Ocupação semelhante àquela que estava em curso na escola artística António Arroio, com centenas de alunos da instituição a paralisar a instituição, exigindo o fim do uso dos combustíveis fósseis. Uma cidade ocupada por faixas e megafones juvenis.

Foi nesse caldeirão a ferver com os graus a mais que prometem derreter a Terra, que surgiu a Frente Grisalha pelo Clima. Surgiu em combustão espontânea, quando Mariana e Sara decidiram ir às ruas e outros grisalhos, amigos e amigas de ambas, como as escritoras Alexandra Lucas Coelho e Joana Bértholo, e o escritor e jornalista Pedro Vieira, decidiram acompanhá-las.
Desde então, o modus operandi da Frente Grisalha segue a mesma espontaneidade. “Quando há uma manifestação, as pessoas entram em contato pelo WhatsApp ou Instagram e dizem que querem juntar-se a nós. Daí, aparecem e seguimos”, conta Sara, frisando que os compromissos pertinentes à rotina das pessoas grisalhas impedem uma organização maior.
“A Frente não é uma organização tradicional, no sentido de ter uma sede, um estatuto, até porque ao contrário dos anos de faculdade, hoje o trabalho não nos deixa tanto tempo para isso”, explica Sara.
Uma ironia. “Infelizmente, falta-nos tempo, apesar de já não haver mais muito tempo para salvar o planeta.”
Como os grisalhos salvaram os jovens
A espontaneidade com a qual a Frente angaria os membros já levou a situações inusitadas. “Na ação pela libertação dos jovens detidos pela PSP na Faculdade de Letras, uma mulher com um cartaz à mão perguntou se poderia juntar-se a nós. Foi a que mais gritou e agitou o cartaz e, no fim, ainda deu entrevistas às televisões como integrante da Frente”, diverte-se Mariana.
Outras colaborações são mais consistentes, como a de amigos ligados ao campo das artes que se propuseram a gerir gratuitamente ateliers e levantar fundos para pagar as fianças dos jovens detidos na ocupação. “Na Frente, não há muito isso, de estar dentro ou fora do grupo. Amigos, amigos de amigos, desconhecidos, o importante é a causa”, explica Sara.

Graças aos amigos e amigos de amigos, porém, a Frente tem conseguido interferir na pólis para além das atividades de rua. Em março passado, a escritora Joana Bértholo participou no primeiro debate organizado pela Frente Grisalha pelo Clima, na Livraria Tigre de Papel, nos Anjos, numa conversa sobre livros e clima.
Essa forma “orgânica” de mobilização tem feito a Frente caminhar, inclusive, sem a presença das duas fundadoras. Na última saída à rua, a 1 de abril, durante a manifestação em Lisboa pelo direito à habitação, Mariana não conseguiu estar presente. “Combinamos o que estaria escrito no cartaz, avisei no Instagram que sabíamos e os amigos apareceram para participar”, lembra Sara.
O que acham eles da luta dos mais novos?
A convivência dos grisalhos com gerações diferentes tem levado a algumas considerações sobre a forma de ontem e de hoje de se organizar para a luta. “Pelo que tenho visto, os jovens de hoje têm uma atenção maior em lidar uns com os outros, são mais atenciosos e gentis. Na minha juventude, tenho a impressão que éramos mais brutos”, avalia Sara.
Mariana, por sua vez, prefere evitar cair no vazio do etarismo. “Nestas questões, gosto de citar Ernesto Sousa, que costumava dizer: ‘a minha geração é quem eu quero‘.” Como professora, porém, tem visto um certo envelhecimento precoce em alguns dos alunos. “Há pessoas de vinte anos que são velhíssimas, como há as de 80 com a cabeça fresca.”

Um alheamento que talvez se baralhe com a falta de perspetiva em relação ao futuro, ou melhor, a um não-futuro. “Isso, sim, é diferente de quando tínhamos vinte anos: nunca nos deparamos com o cenário de não haver um futuro. O calor excessivo e o risco de não haver água para todos é um problema de uma escala de difícil compreensão”, diz.
Para as duas amigas, a questão climática soma-se agora a outras questões que durante os anos representaram cada fio prateado por entre os cabelos negros. Nesse contexto, a Frente Grisalha pelo Clima surge para reforçar a voz dos mais jovens na luta pelo direito a ter um futuro.

“Uma das nossas motivações foi alertar que a questão climática não é uma abstração, uma grita de meia-dúzia de adolescentes que não têm mais o que fazer e deveriam estar dentro da sala de aula em vez de provocarem baderna, como uma certa comunicação social abordou na época das ocupações”, ressalta Mariana.
“É um problema global, de todas as idades”, reforça Sara, “e por isso mantemos a cabeça e o movimento abertos para quem quiser contribuir, sem importar se é conhecido ou não, se tem o cabelo grisalho ou não, para a Frente isso nunca será o fim do mundo”, completa Sara, antes de se permitir uma ressalva bem-humorada:
“Não é o fim do mundo, claro, apesar de já ser o fim do mundo.”


Álvaro Filho
Jornalista e escritor brasileiro, 50 anos, há sete em Lisboa. Foi repórter, colunista e editor no Jornal do Commercio, correspondente da Folha de S. Paulo, comentador desportivo no SporTV e na rádio CBN, além de escrever para O Corvo e o Diário de Notícias. Cobriu Mundiais, Olimpíadas, eleições, protestos – num projeto de “mobile journalism” chamado Repórtatil – e, agora, chegou a vez de cobrir e, principalmente, descobrir Lisboa.
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