Cristiano Ronaldo Sporting
Foto: Sporting Clube de Portugal

Falar de futebol talvez seja uma coisa meio triste. Se formos a ver bem, estamos a falar de pessoas que utilizam camisolas coloridas e calções curtos e que andam dentro de um retângulo aos pontapés a uma coisa esférica, uma bola.

Fico meio incomodado ou até meio desapontado quando vejo pessoas adultas a agirem de maneira tão fervorosa e até irracional quando o tema é esse mesmo: apenas pessoas a dar pontapés numa bola. Não se aguenta a quantidade estapafúrdia de programas com sanguessugas a falar na televisão sobre este desporto. Na verdade não se aguenta a televisão, ponto.

Mas, mesmo assim vou arriscar e escrever sobre futebol, da mesma maneira que ele arriscou naquela noite de 7 de outubro de 2002. Naquela noite com o meu pai e com o meu irmão, em que saímos de casa e fomos ver o nosso Sporting a Alvalade.

Havia um menino em campo com apenas mais um ano do que eu, um menino com um nome estranho e com uma estrutura corporal igualmente estranha, mas mesmo tendo que atravessar grande parte da bancada, mesmo tendo de atravessar a pista olímpica e grande parte do retângulo de jogo, o meu olhar não me mentia, aquele menino ficava mesmo bem com a verde e branca vestida.

Só ele tinha aquele nome estranho estampado nas costas da camisola, não havia mais ninguém no estádio naquela noite com uma igual. Não havia academias com o seu nome, não havia marcas de roupa com o seu nome, não havia hotéis com o seu nome, não havia múltiplos recordes mundiais com o seu nome, nem sequer estádios com o seu nome, nem muito menos aeroportos com o seu nome. Era só um menino que arriscava.

Arriscou sair da Madeira para vir para Lisboa, talvez a maior viagem da sua vida, arriscou abrir a boca para ser troçado, pois o seu sotaque era quase tão esquisito como o seu nome, mas naquela noite ele queria provar que tudo valeria a pena.

Foi no início do meio campo que ele recebeu a bola e com cinco toques passou pelos adversários do Moreirense e picou a bola por cima do guarda redes para fazer história. Todas as pessoas ficaram felizes, os que estavam em Lisboa no estádio, os que estavam a ver pela televisão, acho que até os adeptos da equipa adversária esboçaram um sorriso, foi um lindo golo.

Naquela noite, aquele foi o primeiro golo do menino com o nome estranho, hoje olhamos para trás e dizemos que foi o primeiro do grande Cristiano Ronaldo. Foi naquela noite de outubro, abraçado ao meu pai e ao meu irmão que ele me fez sorrir pela primeira vez, a primeira de muitas vezes que ele me iria fazer sorrir.

Lembro-me de o meu pai me dizer, já no fim do jogo, “Vamos ter este menino connosco aqui em Alvalade durante pouco tempo, temos de aproveitar enquanto ele cá está”, lembro-me do meu irmão, mais novinho na altura, ficar muito marcado por essa frase.

– Por que dizes isso pai?! – perguntou quase em lágrimas
– Não te preocupes, talvez ele um dia tenha a coragem de voltar – respondeu o meu pai.

O Cristiano é das pessoas vivas mais conhecidas do mundo, e recordo que ele é apenas uma pessoa que utiliza calções curtos e camisolas coloridas, é apenas uma pessoa. Cada passe, cada remate, cada gesto televisionado é escrutinado por um número absurdo de almas e mesmo fora da sua profissão, cada nome que dá aos filhos, cada hotel das suas férias, cada par de óculos que utiliza, ficam nas bocas do mundo.

Cristiano Ronaldo já me serviu mais vezes de passaporte do que aquele livrinho de capa cor de vinho que utilizo para andar pelo mundo, e fora todo o absurdo que isto possa ser, vi o seu nome escrito nos sorrisos e nos sonhos de muitas crianças. Se isso não é uma goleada, então não sei o que será…

Não concordo com ele em tudo o que faz, ninguém concorda com alguém plenamente em tudo o que faz. Não quero ser como ele é, sempre fui demasiado diferente, mas tenho uma vontade irracional que me faz querer continuar a sorrir.

Espero que o meu pai tenha razão e que talvez o menino com o nome estranho um dia volte a viver em Lisboa e tenha a coragem de voltar a jogar no meu Sporting. O meu pai e muitos outros pais presentes naquela noite de 7 de outubro de 2002 já não irão a tempo de o voltar a ver em Alvalade com a verde e branca, mas como a irracionalidade impera, talvez eu tenha a felicidade de me desapontar a mim mesmo, quando envergar uma camisola com o seu nome e gritar fervorosamente os feitos de uma pessoa que apenas utiliza calções curtos e camisolas coloridas.

Daqui a alguns milhares de milhões de anos, ou talvez nem tanto, a temperatura no nosso planeta será tão elevada que tudo ficará destruído. Não haverá mais pessoas para cantar as cantigas de Leonard Cohen, não haverá quadros de Paul Cézanne, não haverá livros de José Saramago nem mesmo as ideias de Platão ou Aristóteles. Não haverá vinho tinto, não haverá mais Lisboa nem Fado. Bem antes disso não haverá mais jogos de Cristiano Ronaldo, por isso talvez seja altura de aproveitar agora enquanto ele ainda anda aí aos pontapés na bola, tal como aproveitei com o meu pai e o meu irmão enquanto ele utilizava a listada verde e branca.

No futebol tal como na vida, se não cometermos erros, arriscamo-nos a que seja tudo um aborrecido zero a zero.


* João Santos Pereira vive entre o Mediterrâneo e a sua querida Lisboa. Fingiu estudar em vários sítios, de onde até um Mestrado em Gestão Desportiva surgiu, mas sempre aprendeu mais com as pessoas do que com o ensino estabelecido. Viaja pelo mundo, a pé sempre que pode, o mesmo aplica na cidade das sete colinas. Gosta de beber vinho tinto e de jogar à bola, acompanhado por gentes de falas várias, sempre que possível. Dedica posteriormente o seu tempo a escrever as aventuras que daí advêm.

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