terramoto de 1755 marquês de pombal
Marquês de Pombal, interpretado por João Pedreiro, foi uma das figuras centrais da reconstrução de Lisboa depois do terramoto.

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O terramoto de 1755 em Lisboa não foi só um terramoto: lançou alguns dos maiores debates entre os intelectuais do seu tempo, e fundou uma nova sociedade laica, assente nos princípios iluministas. E uma nova cidade – uma nova Lisboa.

“Foi uma cidade que decidiu reconstruir-se para as pessoas, para o povo, afastando os grandes centros de poder para lugares periféricos”, explica Alexandre Borges, que nasceu no mesmo dia do terramoto, 1 de novembro e que, com o realizador Ricardo Figueiredo, conta esta história num documentário O dia que abalou o pensamento, com estreia marcada para as 22h15 do dia 1, no Canal História.

O documentário também tem a participação de especialistas como o historiador Rui Tavares – que estará, no dia 11, na próxima Conferência Mensagem no El Corte Inglés sobre este tema –, o filósofo Rui Nabais e Fernando Ribeiro, vocalista dos Moonspell, a banda com um álbum chamado “1755”.

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A história passa por alguns dos lugares que melhor caracterizam a cidade: a Sé de Lisboa, a Igreja de São Roque, o Aqueduto das Águas Livres, o Castelo de São Jorge, o Museu/Palácio Pimenta…

Fernando Ribeiro integra também o elenco, desempenhando o papel do padre Gabriel Malagrida, ao lado de Heitor Lourenço (Voltaire), João Pedreiro (Marquês de Pombal) e Tiago Fernandes (Rosseau), nesta saga narrada por aquela que Alexandre e Ricardo entendem como “a voz de Lisboa”: Carminho.

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Representação do terramoto de 1755. Foto: Arquivo Nacional Torre do Tombo

De um dia lindo à tragédia

“A primeira coisa foi o sol”. O dia 1 de novembro de 1755 assinalava uma mudança na cidade de Lisboa: as semanas de mau tempo davam finalmente lugar a um sol glorioso, prenúncio de um dia áureo, talvez.

Mas essa luz esperançosa não demorou a transformar-se.

De repente, a terra tremia, o rio inundava a cidade, os edifícios ruíam. Há 267 anos precisamente, o mítico terramoto de Lisboa arrasava a cidade, ceifando cerca de 20 mil vidas…

É que este não foi só o terramoto que mudou para sempre a cidade de Lisboa: mudou para sempre o curso da História.

Que nova perspetiva sobre o terramoto de Lisboa apresenta o documentário?

Alexandre Borges
Alexandre Borges, argumentista do documentário.

Alexandre Borges É uma nova perspetiva sobre o impacto cultural que o terramoto teve e o debate que acaba por suscitar pela Europa fora. O terramoto tem uma série de consequências na filosofia e na política, na sismologia, na arquitetura e no urbanismo.

É um evento que vai afetar a Revolução Francesa e a Americana, e percebemos isso através de cartas, notícias na imprensa internacional, livros que são escritos…

O terramoto vem muito mudar a forma como se perceciona a crença e a fé. Para uns, o terramoto foi o sinal de que Deus não existia. Mas, para outros, era a prova de que Deus existia e estava a castigar Lisboa pelos seus pecados.

Foi por isso que enveredámos por uma perspetiva que fosse algo metafísica, que pensasse Lisboa vista de cima, como se fosse uma perspetiva de Deus, e que vivesse de explorar esta ideia da luz de Lisboa. A luz tanto pode ser a luz da vida como a luz da razão.

A cidade que nós temos hoje é o testemunho mais vivo do debate que aconteceu então. As linhas racionais da baixa pombalina são o maior testemunho do Iluminismo em contraste com as ruas sinuosas dos bairros antigos que sobreviveram e que, sendo lindas e misteriosas, não deixam de representar esse mundo de colapso, da superstição.

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Voltaire, interpretado por Heitor Lourenço, foi um dos intelectuais que se questionou a partir do terramoto de 1755. Foto: Deepstep

Como foi para o argumentista e realizador contar esta outra história menos conhecida? Que opções tomaram para construir a narrativa?

Alexandre – Os documentários acontecem em várias camadas: temos de contar sempre com o real. Ou seja, escreves a contar com uma determinada realidade e depois no terreno acontecem outras coisas, e regressas ao trabalho da escrita.

Comecei por seguir as intuições fundamentais: o que é que sugere um tema? O que é que sugere a ideia? Que tipo de imagem poderosa, ângulo poderoso podemos dar a esta história para ganhar imediatamente uma identidade?

Optámos por recorrer a reconstituições com as figuras-chave, mas assumindo a contemporaneidade. Isto é, estas personagens vestem adereços e figurinos de época mas trazemo-las para uma Lisboa atual.

Queríamos esse tipo de imagem, que seria simbólica, porque aqui o importante não é tanto o que aconteceu no século XVIII, mas as repercussões que o terramoto teve hoje. 

A ideia é que hoje, quando as pessoas passam no Rossio ou em alguns palácios, percebam o que está debaixo dos pés delas, que edifícios sobreviveram e quais é que foram transformados… e isso ajudou-nos a escolher os lugares a filmar.

A partir daqui, decidimos contar a história por várias camadas, recorrendo ao testemunho de vários especialistas mas também de pessoas que não seriam o típico académico, como o Fernando Ribeiro dos Moonspell, já que a banda tem um álbum chamado “1755”.

O Fernando acaba por interpretar uma das personagens e teve ainda a gentileza de trazer alguma banda sonora para o documentário. Não queríamos contar esta história só com o ambiente do século XVIII, bem comportado, mas também com heavy metal

Ricardo – Fazer um filme de época é muito caro, por isso trazer as personagens para o presente não só tem este lado do “viajar da máquina do passado para o presente” que faz todo o sentido, como em termos de orçamento tornou tudo mais fácil.

Ricardo Figueiredo
Ricardo Figueiredo, realizador do documentário.

O que eu aprecio mais neste filme e que lhe dá um ritmo muito engraçado é também o facto de termos recorrido a várias técnicas para contarmos a história: não só as reconstituições, como as gravuras antigas. Algumas gravuras animámos, outras dividimos em layers, mas também recorremos a ilustrações feitas de raiz.

Que personagens são estas que ilustram o documentário?

Alexandre – Temos um par fundamental, Voltaire, que escreveu dois livros sobre o terramoto, e Rosseau. São dois dos maiores intelectuais dos seus tempos, as duas trincheiras entre os internacionais.

Voltaire encarna esta corrente da dúvida. Do outro lado, temos Rosseau, que ainda não é o grande Rosseau, mas é um jovem em ascensão, e que é um crente e que tenta responder a Voltaire, atribuindo alguma responsabilidade humana à tragédia. Afinal, que culpa tem Deus de os homens terem criado edifícios mal construídos?

Temos outras duas figuras, o Marquês de Pombal e um padre intelectual italiano, Gabriel Malagrida, que representam respetivamente o Estado e a Igreja. Enquanto o Marquês de Pombal quer ater-se às razões físicas da tragédia, Gabriel defende que o terramoto foi um castigo divino. Temos estes dois polos e tivemos de recriar alguns momentos dos sermões e alguns dos momentos-chave do Marquês.

E depois temos Madame Denis, sobrinha de Voltaire, que introduz um elemento cómico. E ainda uma outra personagem, uma personagem espiritual, o anjo (interpretado por Pedro André), que percorre as ruas de Lisboa hoje, simbolizando o plano terreno e o plano divino.

O anjo é uma figura que tenta compreender o presente olhando para trás, tentando acordar os mortos, mas que avança com o progresso…

Conheciam já este outro lado do terramoto? E a cidade de Lisboa mudou para vocês depois de fazerem este documentário?

Ricardo – Não conhecia nada do terramoto, é um tema que me fascina desde o início do projeto, até já chateio os meus amigos com isto. Tive de fazer alguma pesquisa e li alguns livros como o de Rui Tavares, O pequeno livro do grande terramoto, que é excelente para se perceber Lisboa.

A abordagem do terramoto que se dá na escola e que se reflete na opinião pública é muito incompleta, o terramoto é um tema fascinante e infinito. Por isso, sim, mudou a minha visão da cidade.

Alexandre – Eu já tinha a ideia de que o terramoto lançava algumas questões, como a existência de Deus para Voltaire, como se vê na sua obra O Cândido. Essa era a pontinha do cordel que eu conhecia, depois comecei a descobrir mais e o documentário reforçou algumas ideias sobre a cidade. Fez-me perceber que não é casual a cidade que temos hoje. Há montes de coisas que têm uma razão específica.

Houve vários planos de reconstrução da cidade, que se tivessem seguido em frente teriam dado uma cidade diferente. Esta cidade que ficou, e que é construída sobre as ruínas da outra, é uma decisão política, e tornou-se das cidades mais simbólicas dos princípios liberais, das sociedades laicas, das sociedades racionais que são construídas.

Suspeito que Lisboa ficou em segundo lugar na cidade da razão, assombrada pelos anjos e fantasmas que ainda pairam sobre nós com a sua influência.

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Ana da Cunha

Nasceu no Porto, há 26 anos, mas desde 2019 que faz do Alfa Pendular a sua casa. Em Lisboa, descobriu o amor às histórias, ouvindo-as e contando-as na Avenida de Berna, na Universidade Nova de Lisboa.

ana.cunha@amensagem.pt

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