Joana Rolo, uma jovem pianista de 34 anos, ainda nem hoje sabe quem foi a pessoa que deu o nome à rua onde os pais vivem em Campolide. “Nós, lisboetas, andamos anos e anos pelas mesmas ruas, dizemos os seus nomes mas não fazemos a mínima ideia de quem são aquelas pessoas”, diz. Em Alvalade, isto já não acontece: hoje conhece os nomes de muitas das figuras que foram homenageadas nas suas placas.
Pianista em Roterdão, Joana está de regresso a Lisboa por uns dias. De óculos escuros e camisola colorida, caminha com vivacidade pela rua Guilhermina Suggia, em Alvalade. Uma rua que pode passar despercebida a muitos, mas a pessoa que lhe deu nome nada tem de comum: a violoncelista Guilhermina Suggia nasceu no Porto em 1885, estudou na Alemanha e estabeleceu uma carreira internacional, tocando em Paris e em Londres.
É a sua história – e a de muitas outros, como a dos irmãos músicos que emprestam os nomes a duas ruas nas proximidades, a Francisco e António Andrade, ou o Largo Rodrigues Cordeiro, o primeiro mestre das filarmónicas portuguesas – que são contadas no programa de rádio de Joana Rolo, Toponímia Musical, transmitido na rádio de arquitetura Antecâmara.


A rádio já não é novidade para Joana. Em 2019, estreou-se com o programa As Notáveis, transmitido pela Antena 2, em que visitava o percurso de mulheres compositoras ao lado de Paula Castelar. Pareceu-lhe então natural que, aquilo que começara por ser uma ideia de organizar concertos ligados à cidade, se tenha transformado de repente num programa de rádio. Um programa de rádio sobre Lisboa.
A toponímia musical de Alvalade
Lisboa, que é também onde a história de Joana começa. Aos 7 anos, apaixonou-se não só pelo piano como pelo professor de olhos azuis. “Tinha aulas à sexta-feira, era o meu dia preferido”, recorda.
Hoje, a paixão pelo professor não passa de uma memória de infância, mas o piano – e Lisboa – são para sempre. Foi portanto com grande surpresa que descobriu, com pesquisas no sempre prestável Google Maps, os polos toponímicos musicais que se espalham pela cidade: Alvalade, Benfica e Sete Rios, Alta de Lisboa e Ameixoeira, Campo de Ourique e Baixa.
Começou por Alvalade e o resultado final desta “primeira temporada” foram 10 episódios, um passeio de cerca de uma hora por nomes como Guilhermina Suggia, Domingos Bomtempo, Duarte Lobo, Alexandre Rey Colaço, Carlos de Seixas, Augusto Machado. Não só pelas suas histórias, mas também pelas suas composições.
Porquê tantos músicos por aqui? A razão é simples. Esta freguesia de Lisboa é recente e só começaria a ser construída como hoje a conhecemos a partir dos anos 1930. Foi nessa altura que se definiu que as grandes avenidas teriam nomes de países ou cidades, como Estados Unidos da América, Londres, Roma, e as ruas de circulação teriam nomes de pessoas das letras, das artes, do jornalismo ou… da música.
Surgia, assim, este polo toponímico musical. Por aqui, há quem todos os dias passe por Carlos de Seixas, compositor do século XVIII, ou por Vianna da Motta, “talvez o maior pianista português”. Mas saberão as pessoas que por ali passam – e que ali vivem – quem são as pessoas para lá dos nomes inscritos nas placas?


“É uma boa questão”, observa Joana. Ela própria não conhecia muitos daqueles que dão nomes a estas ruas, talvez por Portugal não ser um país conhecido pelos seus músicos.
“Portugal, sendo periférico e tendo sido periférico durante 500 anos, teve mais dificuldade em acompanhar a história da música”, explica a pianista. “Somos mais um país da literatura, de escritores e grandes poetas”.
Num país de poetas, há música em Lisboa
Ao longo do seu trabalho de pesquisa, foi difícil encontrar informação suficiente sobre todos os músicos que dão nomes às ruas. “Carlos de Seixas é um compositor famoso que foi estudado pelos musicólogos, mas há muitos nomes que não, como Duarte Lobo”, diz.
Duarte Lobo foi um compositor do Renascimento e é portanto anterior ao terramoto de 1755, que marca um momento em que se perderam muitas partituras, tornando o estudo da música ainda mais difícil.
Mas Lisboa tem música, e estas ruas são prova disso mesmo. Aliás muita música portuguesa perdida continuará por aí, à espera de ser encontrada. “Os compositores portugueses podem ter obras fantásticas e nós nem sequer sabemos porque não foram tocadas”, lamenta Joana.





Pense-se na ópera, por exemplo. Um estilo bem mais complexo, mas pelo qual o compositor do século XIX Augusto Machado, que também dá nome a uma rua em Alvalade, é conhecido.

Amigo de Eça de Queirós, diz-se que terá inspirado a personagem Vitorino Cruges d’Os Maias, e faz então sentido que em 2013 a investigadora Irene Fialho tenha descoberto no espólio do compositor o libreto de uma opereta assinada por Eça de Queirós e Jaime Batalha Reis e composta, claro, por Augusto Machado.
Sem título, batizaram-na A Morte do Diabo. Hoje já está à venda e é prova de que há música escondida em Portugal, até mesmo aliada à literatura.
Mas nem sempre houve meios para esta arte prosperar. Ainda hoje, a precariedade marca o setor. “Tenho a sensação de que não há falta de trabalho, mas é tão precário e tão instável, que é um grande risco”, conta.
É também por isso que Joana continua a trabalhar em Roterdão, mas um dia promete voltar à cidade onde descobriu a música – e onde continua a descobri-la, em deambulações para o seu programa de rádio que ainda tem muitas histórias, e música, para contar.

Ana da Cunha
Nasceu no Porto, há 27 anos, mas desde 2019 que faz do Alfa Pendular a sua casa. Em Lisboa, descobriu o amor às histórias, ouvindo-as e contando-as na Avenida de Berna, na Universidade Nova de Lisboa.
✉ ana.cunha@amensagem.pt
A Joana é uma jovem linda. Ela tem luz, tem música, tem poesia e tem amor dentro dela. Não é navegadora, como foram muitos dos nossos valentes antepassados, mas TENTA arduamente descobrir o seu caminho aqui em Portugal onde ela quer partilhar, e dar ainda mais sentido à sua maravilhosa vida. Parabéns.