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Desde a perda de representação parlamentar do CDS que correm notícias de que o partido poderá sair da sua sede histórica no Palácio do Caldas, no Largo que leva o nome do seu militante precocemente falecido, Adelino Amaro da Costa. Apareceram notícias até de que o Chega planeava fazer uma oferta de compra ou arrendamento do mesmo.

Mas esse não parece ser o futuro. Numa tarde de sábado, em junho, o edifício está efervescente: veem-se os rolos de tinta a deslizar sobre as paredes desgastadas, devolvendo o branco às traseiras do edifício.

Não são os militantes mais conhecidos do CDS que estão de mangas arregaçadas e com as mãos sujas, mas antes os rostos mais jovens da Juventude Popular (JP). Por iniciativa própria, juntaram-se e organizaram um “Caldas Make Over”, com direito a arraial no final do dia.

Francisco Camacho, presidente da JP, tem a t-shirt e os ténis salpicados de tinta. “Acho que o nosso futuro deve passar por aqui”, diz.

Segundo o presidente da JP, abandonar a sede nunca esteve nos planos do partido e é por isso que a JP lhe dá nova cor. O proprietário do Palácio é, afinal, o Patriarcado de Lisboa, e Francisco Camacho garante que o CDS nunca incumpriu com o valor da renda e pagou sempre pontualmente.

Há um valor que é também pago à Câmara Municipal de Lisboa, visto que o edifício foi alvo de obras coercivas – que ficaram inacabadas -, mas também aí garantem que nunca houve problemas com os pagamentos. De acordo com o presidente da JP, os montantes referidos pelo Chega não têm correspondência face ao valor real do imóvel.

“O Palácio é um símbolo do partido, é um espaço de convívio político entre os militantes”, defende Francisco Camacho. “Sair só aconteceria numa situação-limite e mesmo aí tenho dúvidas”.

Foto: Inês Leote

A História de um Palácio

“O povo português deseja liberdade de justiça, eficácia, competência, ordem, realismo e progresso”. Assim o disse Adelino Amaro da Costa, e assim se inscreve no chão do Largo do Caldas, à entrada do Palácio, numa espécie de marca partidária geodésica.

O Palácio do Caldas. Foto: Arquivo Municipal de Lisboa

Mas quando se entra neste edifício do século XVIII, há um elemento que relembra todos os seus visitantes de que, antes de ser sede de um partido político, este Palácio era verdadeiramente uma casa da nobreza: é o brasão da família Caldas.

Foi a família Caldas, que deu nome ao largo, que mandou erguer este Palácio entre 1765 e 1775 no lugar do antigo Palácio dos Ximenes dos irmãos Rodrigues Caldas, entretanto arrasado pelo terramoto de 1755.

Com o passar do tempo, aqui se construiu uma capela sob a invocação de Nossa Senhora da Conceição, que ainda se mantém, e em 1927 para aqui veio viver o padre Francisco Rodrigues da Cruz, ainda hoje por muitos relembrado.

Nos anos 1930, pelo Palácio passou o estabelecimento comercial Fillipe & Fillipa Lda e a Vacum Oil Company, até que em 1974 a sede do CDS, o partido que se abria “aos democratas do centro-esquerda e centro-direita”, aqui se instalou estabelecendo um contrato com o Patriarcado – ocupando o edifício, como era habitual por esses tempos, até para uma força conservadora como o CDS.

E ali ficou, associando o nome do Largo ao partido. A história conta-se em cartazes, fotografias, pins, caricaturas, antigas máquinas de escrever, notícias de jornal emolduradas. E nos rostos: Diogo Freitas do Amaral, Adelino Amaro da Costa, Basílio Horta, Nuno Krus Abecasis.

De certa forma, este palácio marca também a resistência do partido – mesmo sem deputados. É talvez por isso que Francisco Camacho evoca a fuga, no verão quente, de Adelino Amaro da Costa e António Lobo Xavier pelos telhados, para escapar ao primeiro dos assaltos do Palácio do Caldas.

Este foi um assalto que aconteceu no dia 4 de novembro, o dia do primeiro comício da Juventude Centrista no Teatro São Luiz. “Na altura o CDS nunca tinha feito uma aparição pública na cidade de Lisboa por causa das forças de esquerda radicais”, diz.

Uma réplica do cartaz do primeiro comício da Juventude Centrista, Foto: Inês Leote

O comício só se realizou do início ao fim graças a um cordão de segurança. No final, parte dos manifestantes conseguiu entrar na sede do partido: o edifício foi pilhado e destruído, queimaram-se fichas de militantes, perderam-se móveis, máquinas de escrever e até um sistema de som.

No próprio 11 de março de 1975, a sede voltaria a ser assaltada. Estes assaltos e instabilidade são um retrato dos primeiros anos, conturbados, da vida do partido.

“Na altura, houve pessoas que saíram do CDS, mas abriu-se também uma nova página num certo tipo de militância que gostava do ativismo e de uma participação ativa”, diz Francisco Camacho.

A partir daí, o partido ganhou fôlego: em 1976 ultrapassou o PCP nas eleições legislativas, em 1978 chegou ao Governo numa aliança parlamentar presidida por Mário Soares e no ano seguinte propôs a constituição da AD (Aliança Democrática) que venceria as legislativas com maioria absoluta em 1979 e 1980.

Num palácio joga-se o futuro de um partido político?

Na antiga reprografia, lugar de produção de material de propaganda política, é possível evocar o barulho das velhas impressoras. “Muita gente vinha ao Caldas buscar autocolantes e flyers”, recorda o presidente da JP. Seria um espaço de grande movimentação e, sobretudo, de ânsia política. “Nos anos 1980, as pessoas encontravam-se todas aqui”, concorda Júlio Sequeira, vice-presidente da Comissão Política Concelhia do CDS Lisboa.

Esse espírito foi esmorecendo com o passar dos anos, mesmo com os sucessos que o partido foi vivendo, desde a ascensão a terceira força política em 2009 às alianças vitoriosas com o PSD em 2011 e 2015 (esta última depois inviabilizada pela geringonça).

Na antiga reprografia do Caldas, produzia-se material de propaganda política. Foto: Inês Leote

São tempos mais recentes, mas que deixaram vestígios: na altura da Troika, um grupo de anarquistas atacou a sede do CDS, atirando lâmpadas de tinta contra o Palácio e ainda hoje é possível ver resquícios de vermelho no parapeito das janelas.

São as memórias agridoces de que se faz por aqui a História. Quem passar pela porta fechada do gabinete do presidente, talvez se lembre de Assunção Cristas, que nesse espaço montou o seu próprio closet para se preparar.

E o que é o futuro de um partido sem as suas memórias? É por isso que renovar esta sede faz parte do caminho para se “relançar” o partido, acredita Francisco Camacho. “Hoje vivem-se tempos muito diferentes daqueles que viu o CDS nascer”, diz Júlio Sequeira. “A política é completamente diferente, naqueles tempos era tudo mais vivido”.

As sedes de partidos políticos já não são “os lugares de sonho, de transformação, onde as pessoas acreditavam mesmo que podiam mudar o mundo”, como Júlio as descreve.

No entanto, foi esse mesmo espírito que Francisco Camacho diz tê-lo atraído para a política. Aos 15, 16 anos, foi a um evento da Juventude Popular em Beja, de onde a família do pai é natural, e deparou-se com uma sala com o nome do pai, que se chama também Francisco Camacho e que em tempos fez parte da Juventude Centrista. “Fiquei entusiasmado”, recorda passados mais de dez anos.

Francisco Camacho e Tomás Amaro Monteiro, secretário-geral da JP. Foto: Inês Leote

Anda numa roda viva para recuperar um partido em cacos. Nos últimos tempos, a JP marcou presença em várias escolas e o presidente diz que os resultados foram positivos. “Os miúdos mais novos têm uma autenticidade mais interessante, não estão preocupados com o facto de o partido ter expressão ou não”.

Por isso é tão importante para Francisco recuperar a sede. É como a casa. Para dali recuperar um certo dinamismo: “Estamos a trabalhar para que o CDS volte a ter maior projeção e expressão eleitoral, voltando ao parlamento. É um caminho duro, mas não podemos desistir”, diz Francisco Camacho.

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Ana da Cunha

Nasceu no Porto, há 26 anos, mas desde 2019 que faz do Alfa Pendular a sua casa. Em Lisboa, descobriu o amor às histórias, ouvindo-as e contando-as na Avenida de Berna, na Universidade Nova de Lisboa.

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