Urban Rivers
Foto: Ricardo Gomes/Instituto Mar Urbano

«Vim a Portugal pela primeira vez em outubro de 2017, para receber o prémio Camacho Costa no Festival CineEco Seia com o meu filme ‘Baía Urbana’ que retrata que há vida na Baía de Guanabara apesar de todas as críticas que emergiram durante os Jogos Olímpicos Rio 2016, e que foi apresentado na 1.ª Conferência da ONU sobre os Oceanos em Nova Iorque», conta o biólogo e documentarista carioca Ricardo Gomes, que criou o Instituto Mar Urbano, no Brasil.

Foi ao atravessar a Ponte 25 de Abril que Ricardo teve a ideia de filmar o Tejo. A poesia de Fernando Pessoa embalou o propósito. Aliás é com o poema «O Tejo é o mais belo rio que corre pela minha aldeia», de Alberto Caeiro, que inicia o documentário ‘Urban Rivers’, exibido no âmbito da Conferência da ONU sobre o Oceano 2022, no auditório do Pavilhão do Conhecimento-Ciência Viva.

Em parceria com a Ocean Pact, a UNDP (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) e o apoio de pescadores – como Bruno Conde, terceira geração de pescadores na Trafaria – e de instrutores de mergulho de alto nível – como José Tourais, o mais experiente mergulhador e coordenador de expedições da National Geographic –, Ricardo Gomes entregou-se ao sonho e à aventura de mergulhar no fundo do rio Tejo para filmar o peixe charroco (ou peixe sapo lusitano) e ouvir o característico ronco produzido pela bexiga natatória para atrair as fêmeas para o acasalamento.

«O José teve de assentar um pé nas minhas costas para a correnteza não me levar!», relembra Ricardo dizendo que tanto no rio Tejo como no Sado as correntes na foz são fortíssimas. «É a principal razão pela qual estes estuários são tão ricos em nutrientes tanto para os peixes como para as esponjas, corais, gorgónias, lesmas do mar (nudibrânquios) e até cavalos marinhos que se encontram no Sado e que cheguei a ver mesmo junto da ponte 25 de Abril!», conta o biólogo bastante preocupado por ainda haver dragagens na foz do Sado.

O ruído submarino, resultante dos motores das diversas embarcações que cruzam o Tejo todos os dias, abafa este ronco característico do charroco e poderá até comprometer a continuidade da espécie, pois compromete o chamamento para o acasalamento.

A pesca de arrasto é outro motivo de preocupação para o biólogo carioca. «Temos de perceber que estes organismos marinhos contam 600 milhões de anos de evolução química, especialmente as lesmas do mar (nudibrânquios) que processam diversas toxinas e armazenam substâncias potencialmente importantes para a criação de fármacos para o tratamento do cancro, por exemplo, o que por ora ainda é economicamente inviável», avança Ricardo.

Olhando para o maior estuário da Europa Ocidental – com 80 milhões de anos, data de registo do seu aparecimento geológico  – Ricardo Gomes enumera a vida que por ali pulula como as mais de 120 mil aves que encontram poiso no inverno, a biodiversidade de espécies na água, a flora que vem se recompondo nas pradarias marinhas e chama a atenção das pessoas lembrando que o oceano começa nos rios, nas ruas das cidades e nas nossas casas e que a poluição é um problema que os rios enfrentam há décadas.

«O documentário ‘Urban Rivers’ não é só sobre ciência ou biologia marinha. É sobre a cultura, a arte, as vivências junto à água, que está presente também em nós, no nosso corpo. Este documentário é para demonstrar que um sonho é importante para transformar o mundo num lugar melhor, defendendo os oceanos em nome dos nossos filhos», afirmou Ricardo Gomes, que mesmo tendo de enfrentar os atrasos que a pandemia provocou neste dois anos não deixou de acreditar na realidade deste sonho de revelar a vida nos rios Tejo e Sado.

Esta reportagem conta com o apoio do El Corte Inglés


Nysse Arruda é jornalista especializada em náutica, autora de diversos livros sobre regatas oceânicas internacionais e fundadora e curadora do Centro de Comunicação dos Oceanos-CCOceanos – a série de palestras livestream e presenciais a abordar os mais diversos temas relacionados com os oceanos, conectando os países de Língua Portuguesa e tornando Portugal um polo de partilha de informação atualizada sobre os oceanos. Videoteca CCOceanos Palestras no YouTube.

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