Artur Virgílio Alves dos Reis, nasceu na antiga freguesia de Santiago que foi a mais pequena freguesia da cidade, na rua do Chão da Feira. A título de uma curiosidade que não interessa a ninguém, Alves dos Reis saiu de um prédio mesmo ao lado de outro onde o autor desta crónica visual habitou e que foi a única casa que adquiriu com a ajuda de um empréstimo bancário – vivia os anos da globalização dos mercados financeiros, os tempos dourados das facilidades nas condições de crédito. Depois… veio a crise da dívida pública europeia e este cronista ilustrador foi aprendendo a viver à medida das crises, assim como muito provavelmente o estimado leitor.
Antes que o estimado leitor desista de ler esta crónica, ocorre-me que esta introdução à dívida pública de 2009 (e todas as outras futuras) e mais a consequente sobrevivência tem afinal tudo que haver com o motivo: lembrar Alves dos Reis que desde cedo teve jeitinho para o desenho mas enveredou no curso de engenharia que nunca conseguiu completar.
Naquela época a ilustração ainda não era moda. Num curto espaço de tempo, casou, teve filhos, desistiu da faculdade e o negócio do seu pai, de quem toda a família dependia, abriu falência, acumulando dívidas e dívidas. Anos que se revelariam marcantes e que o iriam marcar para toda a sua vida.
A sua esposa, Maria Luísa Jacobetty de Azevedo, vinha de prósperas e boas famílias, o que feria enormemente a sua natureza orgulhosa. Alves dos Reis não cabia na sua ambição e tão pouco na condição social de Maria Luísa e muda-se para a construção em Angola, protegido pela força de um diploma em Oxford da Polytechnic School of Engineering, escola que nem sequer existia.
O desenho da falsificação era de tal forma convincente que toda a gente acreditou que era um fenómeno com super formações em engenharia civil, engenharia mecânica, engenharia elétrica, ciência da engenharia, design de engenharia mecânica, enfim tudo o que que metesse a palavra engenharia. Arriscando-se a ser desmascarado face a tantas habilitações, forja um cheque sem cobertura e compra quase todas as ações da Companhia de Caminhos de Ferro de Angola e em pouco tempo torna-se um homem rico vivendo exclusivamente dos rendimentos e sem necessidade de trabalhar.
Mesmo assim, a sua ambição não tinha apeadeiro: era de linha contínua.
Regressado a Lisboa em 1922, faz agora cem anos, em vez de se fixar despercebidamente, faz o contrário, adquirindo, comprando e negociando em larga escala através de cheques sem cobertura que depois eram cobertos pelo encaixe financeiro das empresas que conseguia deter. Durante a compra da milionária Companhia Mineira do Sul de Angola é detido por suspeitas de fraude, mas é libertado pouco tempo depois por falta de provas.
Não refeito do susto, congemina o seu maior feito burlão: ganhar a simpatia de ministros, de deputados e do governador do Banco de Portugal, uma instituição à época parcialmente privada, e forjou um contrato que lhe permitia imprimir notas de 500 escudos. Depois, com a ajuda de vários colaboradores, alguns estrangeiros, fez imprimir notas ilegais, iguais às originais, com assinaturas falsificadas e em número tão elevado quanto o das notas legais.
Alves dos Reis tinha 27 anos quando foi detido, uma idade para ter juízo. Segundo consta, disse que “tudo que fiz foi por amor e pela família”.
Condenado a doze anos de prisão e oito de degredo, quando completou a pena na íntegra, passados vinte anos, encontrou tudo mudado. A esposa já tinha morrido.
E António de Oliveira Salazar governava um regime assente na corrupção activa e passiva.

Nuno Saraiva
Lisboeta empedernido, colaborou praticamente em toda a imprensa nacional. Cartunista político, o seu traço é o traço de Lisboa, é o autor das imagens das Festas de Lisboa de 2014 a 2017, criador dos troféus das marchas, e há 10 dos seus murais nas paredes da cidade. O seu livro Tudo isto é Fado! ganhou o prémio do Festival internacional de BD Amadora. Dá aulas na Lisbon School of Design e na Ar.Co. São dele todos os desenhos na homepage da Mensagem.