Nos meses de fevereiro e março em Lisboa, os habitantes começam a ver as árvores das suas ruas a cobrirem-se de cor de rosa. Pequenas flores cor de rosa. São as Olaias a fazer coro com os pássaros para anunciar a chegada da primavera, aproveitando-se das árvores ainda despidas pelo frio para mostrar uma profusa e delicada floração rosa. Este ano, as flores já começaram a brotar das mais expeditas, num ritual histórico de religiosidade e fidelidade botânica.
A floração que tingirá Lisboa de rosa surge inicialmente com alguma timidez. Depois, inspirada pelo calor primaveril, perderá todo o pudor, cobrindo ramos e troncos com fartos cachos florais, um fenómeno a que os especialistas chamam de floração caulicular e que não dura muito tempo.
Como todas as árvores, a Olaia tem uma história. Prova viva de que nem as plantas nem os seus nomes escapam às relações de amor e traição entre humanos. Oriunda do Mediterrâneo Oriental e Sudoeste Asiático, ficou conhecida por dois nomes vernáculos: árvore-de-judas e árvore-do-amor, que tanto podem ser fruto de más traduções como de pontos de vista fantasiosos, mas nunca do acaso.
Consta que Judas Iscariotes, um dos 12 discípulos de Jesus, enforcou-se num exemplar da espécie após trair o filho de Deus, acontecimento determinante para o enredo bíblico. A lenda vai mais longe e diz que esta morte operou uma mutação cromática das flores, fazendo um dito branco original sangrar. Tamanha a vergonha da árvore, ao sangrar com Judas, tingiu-se com rubor até hoje.

O mito passou de boca em boca até chegar aos livros há mais de 400 anos, mas pode ser também fruto de uma tradução errada de “árvore da Judeia” – que remete para as regiões montanhosas de Israel, antiga Judeia, onde era uma espécie comum e é atualmente uma árvore protegida.
Quanto ao amor que também é projetado nesta árvore, dando-lhe nome, advém da capacidade de vermos na Natureza reflexos das formas e símbolos que usamos para definir, neste caso, emoções. Nas suas folhas, através de um pequeno exercício de imaginação, podemos ver corações – dos desenhados. Mas a verdade é que só damos por esta árvore bastante discreta quando irrompem as primeiras flores, no fim do inverno.
Quase mil Olaias nos jardins de Lisboa
A Lisboa, esta espécie exótica chegou por mãos mouras, em datas distantes de mais para serem exatas na Botânica, tendo sido os árabes, provenientes do norte de África, que a espalharam pela Península Ibérica. Se fosse conhecida então como símbolo da traição de Judas, numa época em que o cristianismo e islamismo abriam trincheiras, talvez fosse um incentivo. Não era o caso, mas existiu uma razão.
Também não terão sido as questões ornamentais a ditar a importação das Olaias para terras lusas. Mesmo após a Reconquista, não era tradição usar árvores como ornamento. Este dado ganha especial relevo se tivermos em conta que a maior parte das árvores com as quais nos cruzamos – e estão nos Jardins Botânicos – só foram introduzidas na cidade entre o século XVIII e XIX, altura em que o interesse e perceção do valor das mesmas começou a ganhar algum fulgor.



Na tese “As árvores ornamentais introduzidas nos jardins de Lisboa: uma perspectiva histórica”, a aquiteta Mélanie Rosa realça a antiguidade da introdução da Olaia, explicando que só no século XIX passou a existir esta “preocupação e necessidade de criação de jardins públicos para a população, bem como a partilha do mundo botânico entre classes sociais”.
Uma vez que, possivelmente, não existiu motivação estética, terá sido a sua utilidade que a fez ser plantada por toda a faixa sul da Península Ibérica. As suas flores e botões florais não têm de ser uma iguaria exclusiva dos polinizadores, conhecedores por excelência da gastronomia floral, e podem ser usados, por exemplo, em saladas como substitutos das alcaparras. Os botões florais servem ainda como pigmento para tingir fibras vegetais.
Apesar destas utilidades, os paisagistas introduzem-nas, agora, pela cor fugaz que, durante uns meses, trazem às ruas e jardins de Lisboa.
Aos lisboetas é inevitável relacionarem estas árvores com o bairro das Olaias. O bairro herdou o seu nome de uma quinta, que já tinha pedido o nome emprestado à árvore. Na Quinta das Olaias, residiriam três árvores desta espécie. Hoje encontramos vários exemplares imponentes distribuídos pela colina, a fazer jus à toponímia. Volvidos os anos, apesar de não ser regra, parece que a árvore herdou o hábito de ficar à espreita, encontrando-se em muitas ruas altas, escadarias e encostas.

Guerras e motivações à parte, podemos afirmar que os mouros fizeram uma escolha que permanece acertada. É uma árvore que não só tem alguma resistência ao frio como aguenta longos períodos de seca. Torna-se ideal para cidades com índices de pluviosidade cada vez mais baixos, como é o caso de Lisboa. É, também por isso, das árvores mais presentes nos jardins lisboetas, quase mil em 33 jardins.
Ficou por dizer que lhe deram um nome científico que parece de deusa, Cercis siliquastrum, conjugando um certo misticismo. Cercis significa naveta, um incensário em forma de barco parecido ao seu fruto, que é utilizado em cerimónias da Igreja Católica. Por ser prima da alfarrobeira, também introduzida pelos mouros, tem como segundo nome siliquastrum, resultante da junção da palavra latina siliqua (alfarroba) com astrum (semelhante, imperfeito).
Sempre fiel à cidade, podemos encontrá-las distribuídas por todos os cantos e colinas, sendo mais fácil vê-las florescer à medida que os dias e temperaturas avançam a ditarem o fim do inverno. Um dos exemplares mais cénicos, na plenitude do desenvolvimento, encontra-se no Jardim Nuno Álvares, em Santos.
Convém ir vê-las porque, com a queda da flor, até que nova primavera se aproxime, virá o esquecimento.

Leonardo Rodrigues
Nascido na Madeira, o seu coração ficou por Lisboa. Estudou comunicação na FCSH – UNL e fotografia no Cenjor. Depois de muitos ofícios, é a contar histórias que se sente bem. Acha que não existem histórias pequenas, anseiam é por ser bem contadas. Quando não está a escrever, é aprendiz de jardineiro. @leonismos no Twitter.