Já não me lembro bem onde estava quando recebi a mensagem, penso que numa incursão nostálgica pela Avenida de Roma. Lembro-me de andar pela mão da minha mãe numa passada forte, avenida acima, avenida abaixo, já há muitos anos. Lembro-me desse dia especial em que entrei numa loja para poder escolher uma gravata para o aniversário do meu pai e nada se assemelha à responsabilidade de escolher um presente de anos de um dos pais, especialmente quando se é uma criança.
A minha mãe disse que eu podia escolher qualquer uma que eu gostasse e manteve a sua palavra mesmo enquanto o simpático senhor embrulhava uma gravata com pequenos caranguejos, conchas e búzios amarelos espalhados por um fundo de cor rubi aguerrido. Que ridículo se devia sentir o meu pai com aquela gravata hoje, quando são todas lisas e de cores sóbrias, pensei.
Nada me faz lá ir hoje, não me identifico particularmente com aquela avenida, só gosto de lá passar de carro de noite, já tarde, quando as luzes parecem trabalhar só para mim.
Um bom amigo mudou-se para aquelas bandas e combinámos ir ao cinema perto da casa dele. Caminhava na sua direcção quando o telefone emitiu um ruído fora do comum. Era a tal mensagem, um SMS, que coisa estranha. Não eram as habituais promoções de companhias telefónicas, nem seguros, nem bancos, nem nenhuma dessas entidade que fazem deste tipo de comunicação vestigial em vez de completamente extinta. Para minha surpresa, parecia ser um SMS de uma pessoa real.
“Os teus braços já dão a volta às colunas das Amoreiras?”, lia-se. Achei que fosse uma brincadeira e agi com este SMS como com todos os outros que recebo, ignorando-o de forma cordial e democrática.
Ainda nem tinha completado um terço da avenida quando recebo outra mensagem do mesmo proveniente, “Vá, responde lá, tens braços grandes o suficiente para dar a volta às colunas do Shopping Amoreiras? Não aguento esperar”
Desta vez respondi ao meu primeiro SMS em vários anos.
– Com quem falo? – perguntei.
– João Pedro é o meu nome – respondeu.
Entretanto o meu telefone fez um barulho mais familiar, mais curto e menos estridente. Era uma mensagem de Whatsapp, do amigo com quem ia ao cinema, parece que ia chegar mesmo em cima da hora do filme, pedia para eu ir comprando os bilhetes para não perdermos tempo.
Distraí-me e não voltei a responder ao tal João Pedro. Nisto, recebo outro sms: “Tenho a certeza que já consegues dar as mãos à volta das colunas, por favor diz-me com que idade é que vou conseguir, não aguento esperar”.
– Ó João Pedro, mas quem é que tu és? – respondi.
– Eu sou tu – podia ler-se na mensagem seguinte que não demorou nem cinco segundos em chegar.
– Que engraçado! Não tenho tempo para estas brincadeiras.
Ia ver um filme europeu, cinema de autor, não ia perceber metade da história por isso tinha de chegar com a cabeça fresca para, pelo menos, captar a outra metade, não me podia distrair com este fulano e os seus SMS.
“Sou tu com quatro anos e meio de idade, vejo que agora assinas como João Santos Pereira, quando deixaste de ser o João Pedro? Já não gostas do teu nome?”, recebo logo de seguida.
– Olha eu não sei quem és nem o que tu queres, mas vou bloquear este número – respondi, já farto.
– Sou o João Pedro Santos Pereira, moro em Carnide e gosto de colecionar figuras de animais em cristal. A minha mãe chama-se Isabel e quando vou com ela passear às Amoreiras fico fascinado com aquela fonte amarela, até lá caí dentro na semana passada quando brincava, fiquei encharcado e ainda por cima a mãe não tinha muda de roupa. Cada vez que passo por aquelas colunas cor de vinho, do centro comercial, fico espantado com a sua largura e abro os braços o mais que posso para tentar dar a volta. Cada vez que lá volto, abraço as colunas para ver se já estou mais próximo, mas falta sempre uma imensidão. Não te quero chatear, só quero que me digas se já consegues ou não.
Li aquela mensagem e parei de caminhar, perplexo. Levei uma mão à testa enquanto olhava para o ecrã, encostei-me a uma montra que servia de amparo para o peso das minhas costas e do meu espanto.
– Sabes, a verdade é que não me lembro sequer da última vez que tentei abraçar as colunas, nem me lembro da última vez que lá fui – respondi com as memórias a passarem-me pela cabeça e os olhos em lágrimas.
– Agora tu é que só podes estar a brincar, é impossível que deixe de tentar abraçar as colunas, como é que vou saber se os meus braços vão crescer o suficiente para dar a volta, não acredito em ti”
Não consegui fazer nada durante um largo momento e assim que me consegui recompor liguei à minha mãe. Combinámos ir lanchar ao centro comercial, combinei ir abraçar as colunas.
Tentei ligar para o número do João Pedro com quatro anos e meio, mas saía uma mensagem de voz a dizer que aquele número não se encontrava atribuído, enviei mais um SMS a dizer que ia às colunas no dia seguinte, mas a mensagem nem sequer se podia enviar.
Tinha os cordões desatados, apoiei o pé no murete da montra para os atar e quando olhei para dentro da loja, todas as gravatas tinham bonecos.
*João Santos Pereira vive entre o Mediterrâneo e a sua querida Lisboa. Fingiu estudar em vários sítios, de onde até um Mestrado em Gestão Desportiva surgiu, mas sempre aprendeu mais com as pessoas do que com o ensino estabelecido. Viaja pelo mundo, a pé sempre que pode, o mesmo aplica na cidade das sete colinas. Gosta de beber vinho tinto e de jogar à bola, acompanhado por gentes de falas várias, sempre que possível. Dedica posteriormente o seu tempo a escrever as aventuras que daí advêm.
Quando lá chegares, encosta-te a uma das colunas e abraça a tua mãe
Tão bonito, João Pedro!
Boa sugestão caro José. Assim o farei
Obrigado pelas suas palavras, Paula