Tyler Brule Lisboa
Foto: Monocle

Ouça a conversa com Tyler Brûlé, na íntegra:

Porquê escolher Lisboa como o lugar de um futuro escritório?

Primeiro, ainda não escolhemos, estamos a olhar para isso. Não temos decisão final. Mas estamos interessados e à procura. Quando dermos o próximo passo, depois de Los Angeles, que está a abrir, veremos. Mas acho que é uma coisa correta. A Península Ibérica como um todo é muito interessante – cobrimos a Europa em Londres e Zurique e temos andado a pensar nos ângulos mortos que temos. Podíamos cobrir melhor a América Latina, África. E quando se pensa nisso tudo, tudo parece conduzir-nos a Lisboa. Uma parte é a história de Portugal e da Península Ibérica, outra é a conexão com África e América do Sul.

Essa conexão sente-se em Lisboa?

Até certo ponto, mais o Brasil até…

Lisboa canalizou a atenção mundial nos últimos anos. Que razões encontra para isso?

Há coisas ligeiramente não acabadas em Lisboa – o que muitos planeadores urbanos ou políticos locais talvez não gostem de ouvir… Passámos por uma série de décadas em que havia um fascínio por Nova Iorque, Médio Oriente, supercidades no Oriente, que muitas vezes estão completas, acabadas. São novas, brilhantes, polidas. Vimos o mundo mudar noutra direção não só do ponto de vista do turismo.

Quando vemos as coisas do ponto de vista do urbanismo, da função e da falha, às vezes há um fascínio por esses lugares que são histórias em desenvolvimento, em reinvenção de si próprios e da sua história. E talvez a sensação de que há lugares que se sentem mais como um posto longínquo, o último porto. E esta cidade que fica mesmo na beirinha do continente tem isso. Esse fascínio também. Lugares que não são arrogantes e convencidos porque estão no meio das coisas. Esses lugares mais remotos, que são última paragem, isso é que é fascinante.

É isso que traz tantos expatriados a Lisboa?

A história de Lisboa é difícil de colocar numa só frase. Lisboa tem sempre exercido atração sobre pessoas de fora. Não é nada de novo. Acho que a história de Lisboa é de uma cidade que foi um pouco esquecida durante muito tempo. Apesar de tudo o que acontecia, não estava no radar. E há esse sentido da redescoberta. E quando se começa a explorar a cidade, percebe-se que há tanto aqui.

Foto: Monocle

Também há a outra face disso, com tanta gente a vir, há o medo da gentrificação. Isso pode mudar essa história? Ou seja, como é que se vive entre a integração dos estrangeiros e a alteração da cidade, que pode ser fatal?

Há múltiplos grupos. Os que vêm por alguns dias não se integram, e provavelmente têm vindo a alimentar uma coisa que não é a gentrificação, é mesmo turismo de massa. E isso também se reflete na qualidade das lojas, nos restaurantes e em tudo. Outro elemento são as pessoas que vêm, não para se integrar ou ficar, mas à procura de oportunidades – e depois até podem regressar a Paris ou São Paulo ou de onde são. E depois há uma série de pessoas à procura de um lugar ao sol, e querem uma cidade diferente – não apenas nestes tempos de covid, já acontecia antes.

As pessoas tornarem-se parte da cidade… é uma questão interessante. Eu neste momento estou em Zurique e lá também, não com a mesma força e números, há muitas pessoas a chegar. E podemos escolher: ou eu quero andar com a minha comunidade, dos meus compatriotas, ou quero tornar-me parte da cidade. Aprender a língua. Ser parte do lugar. Não acho que Lisboa seja única nisso ou diferente. É uma questão contemporânea dos expatriados. As pessoas ou escolhem integrar-se ou viver nas suas bolhas. Eu não gostaria de viver numa bolha, mas há pessoas que sim.

Talvez os lisboetas não estejam tão habituados a ser globais, agora? Estavam há 500 anos…

Exatamente.   

No entanto, há uma grande pressão por causa dos preços que sobem, um certo distanciamento de algumas comunidades de estrangeiros que vivem em bairros que antes eram populares…  Será que Lisboa podia controlar melhor isto?

É algo que afeta muitas cidades desde que há assentamentos humanos e donos de terras que, claro, queiram arrendar propriedades ou vendê-las. Isso é a nossa sociedade capitalista. Estamos sempre à procura de prados mais verdes em algum lugar. Mas vamos ser claros: os governos portugueses criaram esta situação. Quando se oferece passaportes dourados e dá condições especiais de impostos a estas pessoas que vêm, esse é um caminho de duas vias. Não pode ser só a crítica a estas pessoas. Elas foram convidadas a vir! Não é único de Lisboa.  

Será que os portugueses também estão a perder uma oportunidade, aproveitando melhor o facto de estas comunidades estarem cá, este mercado?

Neste momento, sente-se que há uma competição de cidades, regiões e países. Uma competição enorme em todo o mundo. Se eu pensar em todos os gabinetes em todo o mundo, a quantidade de convites e sugestões e reuniões com governos que temos neste momento na Monocle… É incrível. Eles dizem: “Quero contar-vos a história da nossa cidade… Vamos aproveitar os nómadas digitais, vamos seguir o passaporte gold, queremos que as pessoas venham viver cá, nós também temos sol!”

Há muito disto. Porque, claro, há muitos fundos de recuperação, que foram libertados pela UE, há muita competição. Pode estar correto, incorreto… Mas seria uma pena que Lisboa perdesse esta oportunidade. Mas há outra coisa: os lugares que fazem isto estão já a medir a linguagem… Porque quando entrámos nesta pandemia percebemos os problemas do turismo em massa, questionamos se a vida não seria melhor sem cruzeiros, etc… Bem, isso foi bom por seis semanas, depois foram seis meses, depois foi um ano, e agora vemos a linguagem a mudar outra vez.

Sim, parece que as coisas estão ainda mais loucas do que antes.

Não querendo dizer: eu bem dizia!… No início da pandemia alguém me perguntou: o que vai acontecer. E eu disse: observem. Nós somos criaturas de hábitos e os nossos hábitos estão instalados há milénios e temos bons e maus. E vamos voltar a eles. É o que estamos a ver. E em Lisboa isto é uma das coisas que é fascinante: é uma cidade em que de facto vê-se o fluxo do comércio global em primeira mão, porque tem o aeroporto e o porto mesmo na cidade, faz parte da comunidade. Barcos e aviões cruzam a cidade o dia todo… Se tirássemos uma fotografia na semana passada, quando eu cheguei e estavam aquelas pessoas todas com os sinais para os passageiros que chegam… era igual a antes da pandemia.

Ou seja…

Caímos no que éramos. Algumas cidades vão criar regras e regulamentos para controlar as coisas. E outros lugares vão ficar contentes de ter receitas outra vez e voltar ao que eram.

Uma das coisas que a Monocle defende é o empreendedorismo individual, pessoas que fazem coisas boas na cidade. Lisboa podia fazer melhor? Não nos vendemos como podíamos?

Bem, eu concordaria com isso. Há uma componente de marketing que não está lá, em Lisboa. Tenho observado isso: temos aqui um pequeno país que produz tudo, sapatos, navios, talheres, até aviões… Portugal é muito completo na sua oferta. Tudo o que é feito na Ásia é feito em Portugal. No entanto, há marcas que as pessoas conheçam quando vão a uma loja em Viena, Los Angeles? Não! E isto tem sido o desafio em relação à percepção em relação a Portugal. A manufatura é excelente, mas as pessoas pensam em Portugal como… barato. Só. É muito interessante, na Corunha, por exemplo, há a Zara… Tornou-se uma marca da Galiza, e muito mais. E vai-se ver e muito do que a Zara vende é feito em Portugal…

Qual é o elo que falta? É uma questão de mentalidade?

É curioso, não é? Porque é uma nação de comerciantes, há 500 anos, é um país que sabe o que é e percebe o comércio do mundo. Diplomacia. Pensemos no António Guterres, por exemplo. Não sei. É um mistério. Não há escolas de negócios? Os portugueses são muito reservados e modestos? Há uma força silenciosa – mas isso não faz marcas globais. A não ser que pensemos no futebol, mas isso é um tema à parte.

Que ideia teria para o novo presidente da Câmara, Carlos Moedas?

(Risos) É importante não cair em alguns símbolos. Vimos tantas cidades caírem nas trotinetes, ciclovias que não fazem sentido do ponto de vista urbano, postos elétricos em todo o lado, quando sabemos que o futuro de mobilidade elétrica ainda não está aí. Só porque é moderno e sem envolver as pessoas. Tem de se trazer a população para todos estes objetivos de sustentabilidade.

Isso acontece em cidades em todo o lado. Por exemplo, em Paris, se houvesse neste momento eleições… não sei o que aconteceria. Tem de se olhar para as políticas urbanas, em geral.

Há cada vez mais movimentos cívicos na cidade de Lisboa. Isto é uma tendência global?

Bem, há muitos lugares onde os governos não são como deviam ou têm políticas erradas, em que se veem as comunidades a tomar as coisas nas suas mãos. Limpar as ruas, salvar árvores. E não só os cidadãos, também empresas. Queremos fazer a nossa parte para tornar a cidade melhor.

E por outro lado, os governos das cidades a ficarem mais importantes no ecossistema político do mundo?

O Mayor Bloomberg tentou fazer isso e liderar alguns tópicos. Houve algumas alturas em que achámos que as cidades eram mais importantes que os estados. Mas, com tudo o que aconteceu, tivemos demasiados acontecimentos em que a política foi tomada pelos estados, coisas que não pensávamos: no Leste da Europa, nos Estados Unidos, onde a administração central dominou tudo nos últimos quatro anos, não importava se eras de Chicago ou São Francisco, levavas com as consequências… sinto que esse movimento está a perder gás.


Catarina Carvalho

Jornalista desde as teclas da máquina de escrever do avô, agora com 51 anos está a fazer o projeto que melhor representa o que defende no jornalismo: histórias e pessoas. Lidera redações há 20 anos – Sábado, DN, Diário Económico, Notícias Magazine, Evasões, Volta ao Mundo… – e segue os media internacionais, fazendo parte do board do World Editors Forum. Nada lhe dá mais gozo que contar as histórias da sua rua, em Lisboa.
catarina.carvalho@amensagem.pt

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4 Comentários

  1. Não costumam rever os vossos textos antes de os publicarem?

  2. Estava a falar das gralhas? Já foram corrigidas… Obrigada!

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