Portugal e a China estão em contacto há mais de 500 anos, a sua relação faz parte de uma longa história. A minha própria história cruza os dois países e começou há 30 anos. Para viver e para dar uma vida melhor à minha família (pais, esposa, filhos, irmãos e irmãs, etc.), há 30 anos, no meu aniversário, consegui um visto para fixação de residência e cheguei a Lisboa, onde me reuni com a minha esposa e filho – que já cá estavam.

À chegada deparei-me com grandes diferenças entre os padrões de estilos de vida de Portugal em comparação com a China. Os preços praticados na China, por exemplo, eram um décimo dos valores dos produtos portugueses. Por isso, e como eu já estava há uns tempos separado da minha mulher, dos meus filhos, e ainda não conhecia os meus sogros trouxe muitos presentes para eles. Se eles tivessem sido comprados em Portugal, valeriam muito dinheiro.

Por isso, a passagem pela alfândega foi assim: carregava numa mão a bagagem de porão com excesso de peso enquanto na outra mão levava um saco enorme. Em ambos os ombros transportava uma mala gigante. Fui parado na alfândega para inspeção, claro. Trazia muitas toalhas da marca 414, roupa para as quatro estações, para mim e para a minha esposa, brinquedos infantis, suplementos para os sogros, e cogumelos e fungos para consumo próprio ou para uso no restaurante que eles tinham em Lisboa.

Os cogumelos e fungos eram escassos em Portugal. Os shiitake, por exemplo, custavam 18 mil escudos o quilo, um preço que era cinquenta vezes maior do que o que se pagava na China, e mesmo que eu tivesse de pagar uma pequena taxa alfandegária, ainda valeria a pena.

Expliquei esta situação aos funcionários da alfândega no português macarrónico que aprendera sozinho. Rindo-se, eles aprovaram, e desejaram-me felicidades. Ainda me ajudaram a arrumar os produtos de volta nas malas.

Quando, em janeiro do ano passado, a epidemia de coronavirus apareceu na China, os chineses residentes em Portugal ficaram transtornados.

Foi um bom começo em Portugal. E esta foi a minha primeira impressão, há 30 anos. Pude, do fundo do meu coração, sentir a amizade entre o povo português e o povo chinês. Através da comida.

A comida é, de facto, uma parte muito importante desta relação. Há alguns dias, porque se estava a celebrar o ano novo chinês, todos estavam a conversar sobre comida, e um amigo, o Senhor H, disse uma frase que despertou a curiosidade de todos: “O meu pai português gosta de comer fatias finas de carne de borrego”.

Uma vez que os chineses geralmente chamam pai ao sogro, perguntei-lhe se ele tinha casado com uma mulher portuguesa. Mas não era o caso. Na verdade, o Sr. H tinha vindo para Portugal sozinho, há mais de uma década, e sem conhecer ninguém, por acaso, conheceu o Senhor L, que era um cantor português que sabia falar chinês. O Senhor L tinha sido famoso na sua juventude e dera a volta ao mundo, atuando em vários lugares, falando 10 línguas, incluindo chinês, hebraico, grego, etc. Fora este português que ajudara muito o Senhor H, até a solicitar o pedido de reagrupamento familiar.

Depois de a Sra. H ter vindo para Portugal, engravidou e teve um filho e foi o senhor L quem também ajudou nos exames de saúde, dentista, etc. Assim, o Sr. L tornou-se o equivalente a um membro da família: os adultos chamam-no de pai, e as crianças de avô. Embora os laços não sejam de sangue, é como se fossem.

O Sr. Ming, por exemplo doou cerca de 4,6 milhões de produtos a Portugal, outra pessoa doou 100 ventiladores e testes de ácido núcleico, entre outros.

Quando, em janeiro do ano passado, a epidemia de coronavirus apareceu na China, os chineses residentes em Portugal ficaram transtornados. Eles enviaram máscaras e outros equipamentos de proteção de farmácias e supermercados para a China. Em fevereiro, novos casos de corona virus começaram a aparecer em Itália.

Os residentes chineses em Portugal começaram a preparar-se para o que aí vinha, a discutir a doação entre todos de uma ambulância para ajudar pessoas com doenças infecciosas. Na altura, falei com o INEM, percebi nas conversas que as ambulâncias eram suficientes e que o processo para a doação de viaturas é muito longo, pelo que a ideia foi temporariamente descartada.

Pouco depois Portugal não pôde evitar a primeira vaga de epidemia. A comunidade chinesa em Portugal tomou medidas urgentes. Sob a liderança do presidente da Associação dos Comerciantes e Industriais Luso-Chinesa, Cai Wenxian, e de outros, foi atribuída uma verba para a compra de produtos anti-epidémicos da China para apoiar Portugal. Outras pessoas de sucesso contribuiram também com dinheiro e esforços. Mobilizaram uma equipa chinesa para comprar ventiladores, vestuário de proteção, máscaras, desinfetantes, etc. da China com a ajuda da Embaixada da China em Portugal para ultrapassar as dificuldades e enviar os produtos para Portugal o mais depressa possível.

Não fizeram nada disto para se promover, estavam simplesmente a retribuir generosamente o que a sociedade lhes tinha dado ao longo dos anos, e por solidariedade para com o povo português. O Sr. Ming, por exemplo doou cerca de 4,6 milhões de produtos, outra pessoa doou 100 ventiladores e testes de ácido núcleico, entre outros.

Grandes empresas relevantes e cidades irmãs chinesas que têm associação com Portugal juntaram-se à equipa de combate à epidemia em Portugal. Os pequenos empresários ao meu redor, na medida do possível, ajudaram os que estavam próximos, apenas por meio de doações e através de mim, e pediram que não fossem divulgadas. A ajuda envolveu pelo menos 9 câmaras municipais.

O povo de Portugal e da China são amigos, Portugal e a China são amigos. Estas são algumas histórias que o mostram e é a conclusão que tirei destes 30 anos que estou em Portugal. Na era pós-epidemia, esta união sincera fará ainda muitas conquistas. 

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