Ir do Seixal ao Barreiro pode demorar hoje uma hora de autocarro, ao longo de 17 quilómetros, mas durante 46 anos demorou cinco minutos de comboio. Não parece, mas as duas localidades estão separadas por 300 metros.
A história conta-se assim: desde 1923 e até 1969, o Seixal e o Barreiro estiveram ligados por uma ponte ferroviária sobre o Rio Coina – que nasce no Parque Natural da Arrábida e desagua no Rio Tejo, encarando Lisboa mesmo de frente. Transportava estudantes entre uma e outra localidade e permitia acesso rápido aos trabalhadores das duas grandes indústrias da zona.
Do Seixal, vinham trabalhadores para a CUF, empresa portuguesa do setor químico que ergueu no Barreiro a sua primeira grande unidade fabril, em 1907. E, nos últimos anos do ramal, trabalhadores do Barreiro faziam o caminho inverso, em direção à Siderurgia Nacional, indústria nacional metalúrgica inaugurada em 1961.
Assim foi até que um navio, proveniente da Siderurgia, colidiu com a ponte naquele ano de 1969 e levou à queda de parte do tabuleiro.
Foram 46 anos de vizinhança, distanciada apenas por cinco minutos de viagem de comboio que “entrelaçaram os seus destinos” – os destinos das “duas vilas irmãs”, nas palavras de Manuel de Oliveira Rebelo, um seixalense. Escreveu-o numa crónica publicada no jornal Tribuna do Povo, em fevereiro de 1974, véspera da revolução de Abril e menos de um ano depois do colapso da ponte.
Depois dessa tragédia, que terminou sem vítimas a registar, a proximidade perdeu-se. Hoje, a viagem leva meia hora de carro.
Mas a construção de uma nova ponte já esteve em cima da mesa outra vez, há bem pouco tempo. O que a faz não avançar?


“Ao mesmo tempo que transportava mercadorias, transportava também a semente fertilizante do amor, ainda não poluído, que brotando dos corações frementes e juvenis, ia fazendo de seixaleiros e barreireiros uma única família”
MANUEL DE OLIVEIRA REBELO, PÁGINAS DO MEU DIÁRIO – O COMBOIO – TRIBUNA DO POVO
16.2.1974
Comboio direto: o projeto que ficou a meio caminho
A ponte ferroviária sobre o Rio Coina fazia parte do projeto do Ramal de Cacilhas, que iria ligar o Barreiro a Almada e que nunca chegou a ser concluído.
Foi idealizado no final do século XIX, quando em 1898 o troço do Barreiro a Cacilhas terá sido considerado “indispensável” pela comissão técnica que elaborou o plano da rede ferroviária complementar do sul do Tejo, segundo a Gazeta dos Caminhos de Ferro de 1 de agosto de 1911.
No final da primeira década do século XX, estava já concluído o primeiro quilómetro de carris no lado do Barreiro e estavam em construção as duas pontes necessárias para se chegar até Cacilhas, passando pelo Seixal – uma entre o Barreiro e o Seixal e a outra, mais curta, entre o Seixal e a Ponta dos Corvos.

A Gazeta dos Caminhos de Ferro descrevia os “argumentos irrecusáveis [e] o alto valor económico” da obra.
O alcance deste ramal prometia trazer grandes melhorias à mobilidade das populações locais na margem sul do Tejo, mas também no acesso a Lisboa, já que a partir de Cacilhas a travessia até à cidade podia fazer-se de barco “em poucos minutos”.
Por baixo das pontes, a passagem de navios seria assegurada através das instalação de tabuleiros móveis, lia-se na gazeta ferroviária:
“O tramo móvel, girando em torno de um eixo horizontal numa das suas extremidades, levantar-se-ia para dar livre passagem às embarcações, sendo movido electricamente. Os navios mais largos empregados na pesca do bacalhau e que recolhem àqueles esteiros passariam sem dificuldade. As pequenas embarcações, mesmo quando o alçapão estivesse fechado, poderiam em muitos casos passar sob as vigas. (…) Prolongada a linha a Cacilhas, estabelecido um serviço de tramways até Setúbal, a margem esquerda do Tejo, livre do imposto de barreira e muito mais arborizada e pitoresca que a direita, está destinada a ser um verdadeiro arrabalde da cidade, muito frequentado, não só pela população desta nos seus passeios, mas até não faltará quem prefira residir ali.”
GAZETA DOS CAMINHOS DE FERRO, 1911
A promessa, contudo, não viria a concretizar-se na sua plenitude e o Ramal de Cacilhas passou a chamar-se, afinal, Ramal do Seixal, com apenas três quilómetros.
A ponte entre o Barreiro e o Seixal foi finalizada e a 1 de julho de 1923 começaram a circular os comboios a ligar as duas vilas, nunca chegando até Cacilhas. Os comboios vinham do Barreiro, passavam pelo apeadeiro do Terrapleno e atravessavam o rio Coina. Depois, passavam pelo apeadeiro da Azinheira e chegavam, por fim, à estação do Seixal, próxima da atual estação fluvial.
Hoje, o edifício da estação do Seixal ainda está de pé, mantendo a sinalética de quando ainda servia seixalenses e barreirenses, e serve de instalação à delegação da Cruz Vermelha na margem sul do Tejo.




A ponte entre o Seixal e a Ponta dos Corvos, sobre o Rio Judeu, foi igualmente concluída, mas o traçado que se seguia, com passagem pelo Alfeite, não.
“Diz-se que o terreno no Alfeite onde foi assente a linha não é suficientemente estável” – anunciava a edição de 15 de março de 1925 d’O Seixalense. Apesar da ligação Barreiro – Seixal beneficiar “em parte ambos os concelhos, não vinha no entanto substituir o benefício que adviria do estabelecimento da linha Barreiro – Cacilhas”.
Sem a conclusão do troço Seixal – Cacilhas, a ponte que fora instalada entre o Seixal e a Ponta dos Corvos acabou por dar um passo atrás.
A estrutura metálica foi desmontada, secção a secção, tabuleiro a tabuleiro, e hoje só pode ser atravessada a 60 quilómetros de distância, onde se unem as duas margens do Rio Sado no centro de Alcácer do Sal.



Repare nas imagens acima:
A partir da estação fluvial do Barreiro (imagem à esquerda), é visível o início do local a partir do qual, no Seixal, se instalara a primeira secção de tabuleiro da ponte ferroviária sobre o rio Coina. Um dos pilares da ponte encontra-se ainda no leito do rio.
Junto à estação fluvial do Seixal (imagem da direita), é visível o local onde chegou a estar instalada a ponte sobre o rio Judeu, que levaria a ferrovia do Seixal até à Ponta dos Corvos, ao Alfeite e, daí, até Cacilhas. No centro do curso de água, é ainda visível o pilar central da ponte. Hoje, a ponte com um tramo móvel que aqui esteve instalada encontra-se em Alcácer do Sal.
Ao longo das quatro décadas que se seguiram, e apesar de nunca ter chegado a Cacilhas, a linha ganhou importância. Se em 1927 a ligação ferroviária tinha sido procurada por 50 mil pessoas, em 1960 transportou cerca de 100 mil passageiros.
A circulação entre Seixal e Barreiro fazia-se apenas de comboio, mas havia, na altura, a pretensão de alargar a ponte ao trânsito de veículos e peões.
O “acidente” que ditou a morte de um ramal “condenado”
Foi a colisão de um navio com a ponte a ditar o seu colapso e o fim da ligação do Barreiro ao Seixal – uma ferida que até hoje perdura. Mas mesmo antes do desastre, o destino da ponte parecia estar já escrito.
Ainda os tabuleiros das duas pontes estavam no estaleiro e já se levantavam vozes dissonantes, colocando em causa a obra e o próprio ramal. As Câmaras do Seixal e do Barreiro pediam o alargamento dos tabuleiros móveis das pontes, para permitir a passagem de veleiros. A grande contestação, contudo, chegou décadas mais tarde, por altura da inauguração das instalações da Siderurgia Nacional, a sul da ponte que ligava o Barreiro ao Seixal.
Nesta cerimónia de inauguração da Siderurgia Nacional, a 24 de agosto de 1961, marcaram presença o então presidente da república, Américo Tomás, o ministro da Marinha, Mendonça Dias, e do poderoso empresário António Champalimaud, presidente do conselho de administração da empresa metalúrgica.
O trânsito de navios por baixo da ponte entre o Seixal e o Barreiro, de bacalhoeiros, mas sobretudo do número crescente de navios de transporte de carvão, que alimentava o forno da Siderurgia Nacional, começou a dar problemas e a ser prenúncio do fim da travessia, augurada por muitos.
A Siderurgia Nacional trouxe os primeiros indícios do fim. Meses antes do incidente final, a edição de 16 de dezembro de 1968 da Gazeta dos Caminhos de Ferro, anunciava a inevitabilidade do fim do ramal. O título do texto – “O Ramal do Seixal está condenado” – deixava poucas dúvidas no ar.
Eram apontadas duas razões principais: o facto de o plano original, de fazer chegar o comboio a Cacilhas, não se ter concretizado por “razões técnico-económicas”, e “a implantação da indústria siderúrgica a sul da ponte”, que lhe “criou problemas”. “A navegação, que tem de passar por entre os pilares do tramo móvel, é constante, e às vezes causa avarias graves aos pilares da ponte.”
Interesses associados à indústria metalúrgica ameaçavam a travessia e a própria existência do ramal. Nos mapas desenhados pelo gabinete que planeou a construção da então Ponte Salazar, inaugurada em 1966 – atual Ponte 25 de Abril – o ramal já não constava, conta a gazeta ferroviária no final de 1968. Constava, sim, a ligação ferroviária sobre o Tejo, que havia de ser inaugurada mais de três décadas depois, em 1999.
Lê-se, nesta publicação, que a CP procurou “defender” o ramal, contra o interesse da Siderurgia, que “tomou sempre a posição que mais lhe convinha”.

À quarta foi de vez. Acontecia a quarta colisão de um navio com a ponte – e seria a última.
Às seis horas e 20 minutos do dia 18 de setembro de 1969, um cargueiro que saíra da Siderurgia Nacional, carregado de ferro, embateu contra a ponte e “destruiu[-a] parcialmente, por ter batido, inexplicavelmente, contra um dos seus tramos anteriores”, lê-se num recorte de jornal daquele dia, e que hoje integra o arquivo municipal do Seixal.
O embate levou à queda do tramo levadiço da ponte e de um dos tramos fixos da mesma. “O guarda da ponte, Alberto Milheiro, de 63 anos, foi lançado à água, devido à violência do embate, tendo sido forçado a nadar cerca de 100 metros para se conseguir salvar.” Não houve vítimas deste acidente.

Dias depois, a 4 de outubro, a Tribuna do Povo afirmava que “houve quem delirasse com o sucesso [- o sucedido], pois de há muito que se cruzam interesses económicos da CP e da Siderurgia Nacional para acabar com o ramal ferroviário”.
O jornal relata ainda que “o navio causador pouco sofreu”. As dúvidas sobre se terá sido, de facto, um “acidente” adensaram-se na altura, mas até hoje nada se provou. Até ao incidente, a linha operava, sem data oficial de fim, mas havia já sido desclassificada por decreto, explicam os recortes de jornais da época.
Paulo Silva, presidente da Câmara Municipal do Seixal, conta que “não se pode dizer se foi um acidente, ou não”, se foi propositado.
“Lembro-me de ser miúdo e de se ouvir dizer que tinha sido propositado, porque a ponte prejudicava o acesso marítimo dos barcos com o carvão à Siderurgia Nacional.”
PAULO SILVA, presidente da Câmara Municipal do Seixal
“Será definitivo?”
A partir desta data, as duas vilas ficaram separadas, até hoje.
Em vez de terem de percorrer três quilómetros, passaram a ter de percorrer cerca de 17. A viagem começou a ser feita de autocarro, numa viagem que leva 55 minutos. Cerca de 30 minutos de carro, com passagem obrigatória por Coina. Meses depois, o ramal é oficialmente desativado e a CP suspende a venda de títulos de assinatura Barreiro – Seixal. A duração da viagem aumentou substancialmente e também o preço do bilhete, de 80 centavos para dois escudos e 50 centavos.
As cerca de 1200 pessoas que todos os dias utilizavam o comboio para se deslocarem de uma margem para a outra viram-se obrigadas “a perder muito mais tempo”. Levantaram-se “sérias apreensões”, lia-se na Tribuna do Povo, mas de nada serviu às populações locais. Perdia-se a relação entre as duas margens.
Agora, só ao longe se viam.
Paulo Silva recorda-se de ir com o pai do Seixal ao Barreiro. Lembra-se de “que era muito longe, sempre, toda a volta, uns 16 quilómetros, sensivelmente”.
Recorda igualmente a primeira vez que foi à praia da Ponta dos Corvos, separada do centro histórico do Seixal pelo rio Judeu. Lá, encontrou um amigo que lhe disse:
– “‘Olha, vou agora de canoa até ao Barreiro.’”
– “‘Até ao Barreiro? Mas isso é tão longe!’”
– “‘Não, pá. É já ali.’”
O autarca recorda como, já depois da queda da ponte, a distância entre o Seixal e o Barreiro ganhara outro peso. “A ideia que eu tinha na altura, com uns 15 anos, é que era muito longe. Mas era logo ali.”
“A dois passos da soleira da minha porta e a dezassete quilómetros de camioneta com escala por Paio Pires, ali está o Barreiro ligado ao Seixal pelo parentesco do sangue de muitas famílias que entrelaçaram seus destinos, devido à facilidade com que se punha o pé no Barreiro e se tinha à mão o Seixal.
(…)
E quando sob o impulso dos tempos modernos se esperava ver mais próximas uma da outra as duas vilas irmãs, eis que de repente desaparece da nossa vista o comboio que de lá para cá e de cá para lá, como agulha de coser, ia pacientemente ligando os dois povos.”
MANUEL DE OLIVEIRA REBELO, PÁGINAS DO MEU DIÁRIO – O COMBOIO – TRIBUNA DO POVO
16.2.1974
Mais de 50 anos depois, a situação mantém-se e a relação de vizinhança foi severamente cortada.
Embora, após a queda da ponte, tivesse sido ponderada a reconstrução da mesma – e houve até ordem imediata da Comboios de Portugal (CP) para que assim sucedesse.


“E como quem cumpre um dever de solidariedade para com alguém que tivesse perdido um ente querido, impus-me a obrigação de ir à Estação Ferroviária do Seixal manifestar o meu pesar. Confesso que ao vê-la despida de atavios, bem marcada na face a dor da separação, tive para com ela sentidas palavras de conforto, e recordei com funda saudade o comboio da minha infância que por oito tostões me levava pelo ramal mais bonito do País à vizinha vila do Barreiro.
E se é verdade as coisas terem alma e falarem à nossa inteligência, a mim pareceu-me ter ouvido de mistura com o marulhar da maré cheia e o agitar do arvoredo tocado pela aragem nordestina, um apelo de salvação saído das entranhas da Estação Ferroviária do Seixal, certamente dirigido a quem manda nos comboios.
Ora eu que sou um sujeito que não posso ver ninguém sofrer, tentei ainda aguentar-me mas fui-me abaixo das canetas. E sentei-me naquelas pedras. Sentei-me e fechei os olhos. E que vi eu? Sim, que vi diante de mim! Um comboio novinho em folha cheio de seixaleiros e barreireiros que seguiam pelo ramal do Seixal direitinho a Cacilhas.”
MANUEL DE OLIVEIRA REBELO, PÁGINAS DO MEU DIÁRIO – O COMBOIO – TRIBUNA DO POVO
16.2.1974
Quatro dias após o incidente, o Jornal do Comércio anunciava que a empresa tinha resolvido “mandar reparar, com urgência, a ponte do Coina”.
Mas não aconteceu.
Em alternativa, foi prevista a ativação de um serviço de transporte fluvial entre as duas localidades, pela própria CP, mas também nunca aconteceu.
Hoje, bases dos pilares da ponte sobre o Rio Coina (tal como acontece no lugar da antiga ponte sobre o Rio Judeu, entre o Seixal e a Ponta dos Corvos) ainda lá estão a marcar o lugar. Entre o último pedaço de terra do Seixal e o Barreiro, junto à estação fluvial, a distância é de menos de 300 metros, mas há mais de 50 anos que não é vencida.
“É inexplicável.”
PAULO SILVA, presidente da Câmara Municipal do Seixal
Ao longo das últimas cinco décadas, os concelhos do Barreiro e do Seixal mudaram e cresceram em população. Hoje, o concelho do Barreiro tem 78 mil habitantes e o concelho do Seixal 160 mil.
Este último é mesmo o concelho da margem sul que mais cresceu em número de habitantes entre 2011 e 2021 e está cada vez mais perto de ultrapassar Almada como o concelho mais populoso da margem sul.
Ao longo dos últimos anos, surgiram projetos e planos para repor a ligação perdida, mas teimam, por uma razão ou por outra, em não concretizar-se.
Em 1995, as Câmaras de Almada, Barreiro, Moita e Seixal assinavam o Protocolo para o Desenvolvimento do Metropolitano Ligeiro na Margem Sul. Os planos originais para a rede previam, na sua 3.ª fase de execução, a chegada do metropolitano ao Seixal e ao Barreiro precisamente através do canal da antiga ponte sobre o Rio Coina.

Em 1999, o Plano Rodoviário Nacional previa a construção de uma ponte rodoviária entre o Seixal e o Barreiro, a norte da Siderurgia Nacional, com um estudo prévio realizado no âmbito dos estudos para a Terceira Travessia do Tejo – cujo avanço foi anunciado no passado mês de maio.
Quase duas décadas depois, em 2017, a ligação voltou a ganhar novo fôlego.
Os novos planos para uma nova ponte
As Câmaras do Seixal e do Barreiro acordaram em 2017 a construção de uma ponte pedonal e ciclável a ser implantada no canal da antiga ponte ferroviária.
“Em março, os dois concelhos fizeram um acordo com a mobilização de fundos comunitários para a construção”, conta Paulo Silva, autarca do Seixal. A ponta tinha o projeto pronto, as duas Câmaras tinham avançado com metade do valor e a outra metade estava assegurada por fundos europeus.
Estava prevista uma intervenção urbana nos dois concelhos. Seria concretizado um percurso de 2,5 quilómetros, a partir do terminal fluvial do Barreiro até ao terminal fluvial do Seixal, vencendo o Rio Coina e passando pelas instalações navais da Azinheira.
Mas, quase 50 anos depois, voltou a ser a passagem de navios, com tráfego hoje bastante reduzido, a razão da distância entre Seixal e Barreiro. Por imposição da Administração do Porto de Lisboa, foi exigida a extensão, em 20 metros, do tabuleiro móvel da ponte. Inicialmente projetado com 40 metros móveis, o tabuleiro teria agora de passar para 60 metros. A nova exigência levou a um aumento considerável no custo total da obra.
“Encarecia o projeto em dois milhões, mas penso que, mesmo assim, [com] o que se ganhava em termos de ligação, em termos de mobilidade entre os dois concelhos, mesmo sendo uma ponte pedonal e ciclável, valia o esforço”, diz o presidente da Câmara do Seixal.
A obra acabou por não avançar.

Paulo Silva tomou posse enquanto presidente da Câmara Municipal do Seixal em setembro de 2022, após a renúncia do anterior autarca, Joaquim Santos. Em entrevista à Mensagem, afirma que, para além das alterações impostas pelo Porto de Lisboa ao projeto da ponte, também a mudança política à frente da Câmara Municipal do Barreiro impediu a obra de concretizar-se, já que o Barreiro deixara em outubro de 2017 de ser um município liderado pela CDU. “Houve eleições autárquicas, o Barreiro mudou para o PS e o Partido Socialista decidiu cortar o projeto e não avançar com o projeto”.
“Não tenho dúvidas que seria um grande sucesso e uma grande mais-valia esse projeto e que todos teríamos a ganhar se ele tivesse avançado. Infelizmente, não podíamos fazer a ponte sozinhos e não queríamos deixar a ponte a meio.”
A Mensagem procurou o contacto com a Câmara Municipal do Barreiro para ouvir a posição daquele município sobre a ponte pedonal e ciclável e a ligação entre as duas margens do rio Coina, não tendo obtido qualquer resposta.
Outros planos para ligar o Seixal ao Barreiro
Apesar de planeada desde os primeiros passos da rede de metropolitano do sul do Tejo, a chegada do metro ligeiro de superfície tarda em chegar ao Barreiro e ao centro histórico do Seixal. Atualmente, o metro chega apenas a Corroios, no concelho do Seixal.
“É uma questão que eu não compreendo. Faltam 1,8 quilómetros de linha para chegar à Estação dos Foros de Amora e passaria a servir mais 50 mil pessoas. Facilmente se constroem”, diz Paulo Silva.
Em março de 2023, contudo, o governo comunicou a intenção de avançar, por fim, com a expansão a sul da rede de metro.
No âmbito da reativação do projeto Arco Ribeirinho Sul, foi anunciada a concretização de planos de expansão a aguardar execução há mais de duas décadas – o troço entre Corroios e o Fogueteiro e entre o Fogueteiro e o Seixal.
Anunciado em março do ano passado, após um Conselho de Ministros que teve lugar no distrito de Setúbal, o Arco Ribeirinho Sul prevê um investimento de 353 milhões de euros para:
- criação de um corredor verde com uma extensão de mais de 35 quilómetros entre as zonas ribeirinhas dos concelhos de Alcochete, Almada, Barreiro, Moita, Montijo e Seixal;
- cinco novos terminais fluviais;
- concretização, por fim, da ponte pedonal e ciclável entre o Seixal e o Barreiro – agora, avança Paulo Silva, com um canal “para o metro sul do Tejo”.


Adicionalmente, o projeto prevê ainda a concretização até 2030 de uma ponte rodoviária entre o Seixal e o Barreiro, na zona da Siderurgia Nacional. Esta nova ligação consta do Programa Nacional de Investimentos (PNI 2030) e, segundo Paulo Silva encontra-se ainda “em fase de ser estudada”.
Segundo o PNI 2030, o investimento para a concretização desta ponte será privado, proveniente de contratos de concessão rodoviários.
Apesar das novas promessas, trazidas pelo Conselho de Ministros de março de 2023, pouco parece ter avançado e mantêm-se as dúvidas sobre quando o Seixal e o Barreiro voltam finalmente a aproximar-se.
“Já se passou um ano”, lembra Paulo Silva. “Houve a reunião e o Conselho de Ministros aqui no Distrito de Setúbal, teve cá o senhor Primeiro Ministro António Costa, tiveram cá os ministros todos no Distrito de Setúbal, saiu uma resolução, criou uma Comissão Técnica de Acompanhamento. Reuniu uma vez.” Nunca mais nada avançou.

O anúncio da Terceira Travessia do Tejo do passado mês vem, na opinião do autarca, renovar a importância da concretização de “um meio de transporte público que ligue o Arco Ribeirinho Sul, que não existe”. Esse meio de transporte, diz, “será o metro sul do Tejo. Não vejo outra hipótese e terá de ser pela expansão até ao Barreiro e, depois, até ao Montijo, Alcochete e Moita”.
Agora, diz, falta “ver qual vai ser a vontade política do novo governo”.
Nota: Este artigo resulta, em parte, da consulta de recortes de jornais da época, através do Centro de Documentação e Informação / Ecomuseu Municipal do Seixal.

Frederico Raposo
Nasceu em Lisboa, há 32 anos, mas sempre fez a sua vida à porta da cidade. Raramente lá entrava. Foi quando iniciou a faculdade que começou a viver Lisboa. É uma cidade ainda por concretizar. Mais ou menos como as outras. Sustentável, progressista, com espaço e oportunidade para todas as pessoas – são ideias que moldam o seu passo pelas ruas. A forma como se desloca – quase sempre de bicicleta –, o uso que dá aos espaços, o jornalismo que produz.
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Bom dia, Frederico.
Vivo na Margem Sul desde 1991 e desde que me lembro que me pergunto como não existe uma ponte ou uma outra ligação desde o Seixal ao Barreiro. Nem a Fertagus nem a CP se encontram nestas cidades, outrora vilas, simultaneamente. Já conhecia um pouco da história mas nunca pensei que os interesses da siderurgia ultrapassassem os interesses do povo. Uma vez mais, o dinheiro vence…
Espero mesmo que o projeto avance e não pare. Mas também ainda estamos à espera do hospital do Seixal e até agora nada. Se quiser uma ideia para uma nova notícia com retrato histórico, aí está.
Adoro este tipo de artigos.
Temos também o troço desde Almada que para exatamente por cima da rotunda dos Flamingo em Corroios… inacabado.
Não sei o motivo, mas estou interessado em ler mais se o Francisco escrever algo sobre.
Muito obrigado por tocar no assunto de ontem.
Quiçá os ministros toquem também.
Cumprimentos.
Muito obrigado pelo comentário, Tiago 🙂 Cumprimentos
Um general romano quando regressou a Roma, reportou a César. “Para lá da Ibéria existe um povo que não se governa, nem se deixa governar”
E esse povo é o mesmo que hoje continua nessa senda maldita. Amnésia colectiva dos donos disto tudo e siga o baile.
E A QUINTA DA TRINDADE O ESTÁDIO DA LUZ É EM LISBOA! FOI A VIABILIZAÇÃO DA SUCATA ENVIADA PARA A SIDERURGIA NACIONAL! A QUINTA DA TRINDADE PERTENCIA A UM UM DOS FUNDADORES DA ASSOCIAÇÃO DE BOMBEIROS VOLUNTÁRIOS DO SUL E SUESTE ! TOBY OW NOT TOBY YS THE QUESTION !
Uma peça muito actual e bem feita!
Incrível como não se investe numa zona com tanta população, com crianças que a maior ajuda que podem ter é o respeito pelas suas horas diárias, facilitando lhes a vida e dando lhe tempo para que possam desfrutar um pouco de si próprios. Tempo que seja passado sem ser em autocarros cheios, quentes e com cheiro! As ciclovias são importantes, mas para isso precisa haver disponibilidade para as usufruir!
Uma palavra de respeito para todos que não tem alternativa!
Nas campanhas eleitorais o Frederico Rosa, nas 2 vezes prometeu a ponte para o Seixal, assim que tona posse nunca mais se lembra de cumprir o que prometeu!
Eu nasci no Barreiro em 1947. O meu pai era ferroviário e exerceu as funções de chefe de estação no Seixal também no Barreiro A.
Fiz muitas vezes o trajeto Barreiro/Seixal em automotora já tinham terminado os comboios a vapor.
Vi a ponte caída no dia em que se deu o “acidente”. Cumpria serviço militar em Lisboa e quando cheguei a estação dos barcos do Barreiro as pessoas comentavam. Tinha que acontecer isto mais dia menos dia. Agora mais de 50 anos depois continuamos a ter políticos da treta que nada fazem para ajudar a desenvolver esta região. Que tristeza que incompetência.
Muito obrigado pelo comentário e pelo testemunho, Carlos.
Um excelente artigo, dando conta do modo como o interesse empresarial levou à destruição da ponte, por dificultar o acesso marítimo à Siderurgia Nacional bem como um projecto megalomano de criação de um terminal de águas profundas na embocadura do rio Judeu, para descarga de minério de ferro e carvão de grandes navios graneleiros; projecto que visava remediar o erro de localização da siderurgia longe de águas profundas, levando a que as descargas tivessem de ser feitas a meio do estuário do Tejo, complementadas por transporte em barcaças de calado reduzido. A própria Siderurgia Nacional acabou por se revelar inviável face à expansão internacional daquele tipo de indústria e, o que restou, uma unidade de produção de “planos” a partir de coils importados e outra de “longos” a partir de “biletes” também importados e de sucata, ambas com ligação ferroviária a partir de Coina, têm fracos requisitos em matéria de acesso marítimo. Assim, talvez a exigência da administração portuária seja excessiva, até porque a manutenção de um canal navegável para a dimensão de boca (largura) estipulada exigiria dragagens periódicas cujo responsabilidade e financiamento não estão assumidos. Acresce o facto de sucessivas decisões governamentais e municipais relativas à dinamização da margem sul sob a égide do chamado “Arco Ribeirinho Sul” não fazerem sentido sem integrarem um eixo de ligações rodo-ferroviárias. Caso para dizer, que o Espírito Santo (não o do BES) ilumine a mente dos nossos dirigentes políticos nacionais e autarquicos.
Muito obrigado pelo comentário e por participar na conversa, António.
Muitos parabéns pelo artigo, Frederico. Eu sou Alfacinha, mas moro no Barreiro há 50 anos e não conhecia a história da ponte. Obrigada pela partilha.
Olá Sr. Frederick. Fiquei muito triste com esse acontecimento da Ponte, mas ao mesmo tempo muito comovida e sinto muita pena de não estrar aí quando foi o acidente porque o Sr Alberto Milheiro que caío ao mar era o meu adorado paizinho. Recebi hoje noticias dos meus queridos primos vivem ai no Barreiro. Du vivo na Suécia. Obrigado. Hostel muito de ler. Un abraço de Isabel Wright 👌❤️🍀🕊️
Embora considere importante essa terceira travessia, como pelos vistos o orçamento não dá para tudo, seria mais permente, finalmente, a construção tão necessária do hospital do Seixal.
Cumprimentos a todos participantes.
A saúde para todos os necessitados da zona e arredores, com o HGORTA quase em colapso, é a meu ver a prioridade de investimento do nosso dinheiro!
Gostei de ver um artigo a contar a história da velha ponte que ligava o Seixal e o Barreiro.
É triste que a falta de visão ou interesse, continue ao longo de tantos anos. Muito há a fazer para ligar os concelhos da Margem Sul de forma eficaz, em termos de transportes públicos.
Venham mais histórias desta banda!
Não nasci no Barreiro, mas é como se tivesse nascido, é a minha terra desde os 3 meses de idade. Gosto sempre de ouvir falar e ler sobre o que cá se passa/passou.
Parabéns pelo artigo bastante completo que nos deu a conhecer a fundo a história da famosa ponte do Seixal, que caiu no ano em que nasci.
Só me entristeceu que a Câmara Municipal do Barreiro não tenha dado qualquer resposta à tentativa de contacto da Mensagem. Se as entidades soubessem o mal que lhes fica esta ausência de resposta…
Fascinante leitura caro Frederico Raposo!
Muito obrigado pelo comentário, Louis. Continue a seguir-nos 🙂