O grupo de WhatsApp dos vizinhos do prédio estava num rebuliço. A praceta ia, finalmente, ter luzes de Natal… e todos devíamos contribuir. Entre emojis festivos e trocas de mensagens, dei por mim a pensar:“quem decide que um sítio pode ter Natal? Quem tem poder para colocar luzes assim, sem mais nem menos – sobretudo num lugar que, durante alguns anos, esteve votado à escuridão?”

Sempre vivi na periferia, numa “terra de ninguém”, junto à fronteira entre o concelho de Lisboa e de Loures: Prior Velho. Foi em Lisboa – o centro para onde tudo parece convergir – que estudei desde pequena e também onde comecei a trabalhar. Os meus amigos são de Lisboa e, quando quero conviver, é também para lá que vou. A cidade-centro oferece futuro, encontros, movimento, mas o bairro oferece outra coisa: uma proximidade silenciosa.

Aqui persiste a sensação de que sei quem são os meus vizinhos. Não por grandes intimidades, mas pelo olhar atento de quem nota quando abre um novo negócio ao lado, de quem se lembra do dia da semana em que se serve o Cozido. Ou de quem repara numa luz que se acende onde antes fazia tanta falta.

Desci ao restaurante por baixo de minha casa para perceber de onde vinha a iniciativa de colocar as luzes. Fui logo interpelada a contribuir para esta história que, afinal, tinha começado com os meus vizinhos: como a praceta há muito tempo não tinha iluminações de Natal, tinham sido os donos do restaurante que decidiram angariar dinheiro para a decorar, com a ajuda dos clientes e moradores.

Esse restaurante – o Pátio do Tony – viu-me crescer. À medida que vão fechando os lugares onde eu e os meus pais somos tratados por “tu”, como o talho ou a mercearia, o Pátio do Tony tem-se mantido um ponto fixo numa paisagem em mudança. Abertos todos os dias do ano, menos ao domingo – faça chuva, faça sol, seja feriado ou dia festivo.

E a Rute, que lá trabalha há mais de 20 anos e conheceu a minha mãe ainda grávida, viu-me sair no meu primeiro dia de escola, desdentada e com uma mochila cor-de-rosa às costas. Viu-me também regressar, agora mais velha, com um diploma de Mestrado – um momento que lhe fez chegar as lágrimas aos olhos. Por mais voltas que a minha vida desse, entre conquistas e derrotas, viagens e mudanças, voltar a casa era também voltar ao Pátio de Tony, onde uma açorda quentinha me espera ou onde uma dose de batatas fritas pode sempre ser pedida para levar.

Rute, do Pátio do Tony. Foto: Maria Maia

Perguntei à Rute porque tinha decidido pôr moradores e clientes a contribuir para decorar a praceta. Já devia esperar a resposta. “Sabes como eu sou, não consigo parar quieta. E senti que faltava aqui alguma alegria.”

Este Natal ela chegou. Não foram as luzes, por si só, que a trouxeram. Foi perceber que, neste pedaço de cidade, a boa vontade podia transformar o pouco em muito.

Neste Natal comunitário, nada se dividiu – tudo se multiplicou. Às luzes compradas num negócio com número na praceta, com dinheiro reunido por comerciantes e moradores, juntou-se um presépio pintado à mão por uma vizinha e uma árvore de Natal feita com materiais reciclados. Até a Junta de Freguesia acabou por ajudar: ligou as luzes a um poste de eletricidade para que ficassem acesas toda a noite e trouxe mais algumas decorações para acrescentar.

De vez em quando, vejo da minha janela alguns vizinhos surpreendidos, crianças divertidas e pessoas de passagem, curiosas com estas iluminações diferentes.

Natal é, afinal, quando uma comunidade quiser!


Maria Maia

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