Depois de mais de 24 horas (uma noite e um dia) na fronteira, conseguimos finalmente atravessar a fronteira do Afeganistão e entrar no Paquistão. Ficámos muito felizes por termos conseguido fugir dos Talibãs.
Eram 9 horas da manhã. Telefonei ao meu amigo Ahmad Seayer Ahadzada, que nos tinha ajudado a obter o visto para o Paquistão, e estava a viver em Islamabad. Ele convidou-nos a ir a casa dele. Fomos então para Islamabad, a capital do Paquistão. Estávamos muito cansados e famintos, no caminho para Islamabad pensava como iríamos gerir os próximos passos com a embaixada portuguesa em Islamabad e se iríamos realmente obter o visto para Portugal ou não.
Cinco horas depois, chegámos à casa dos nossos amigos (Ahmad Seayer Ahadzada), que também eram nossos colegas em Cabul, no Afeganistão. Eram 14h00, queria ligar antes de mais para a embaixada de Portugal em Islamabad a informar que tínhamos conseguido atravessar a fronteira, mas reparei que tinha recebido um e-mail deles a marcar um encontro para o dia seguinte para uma entrevista na embaixada.
No dia seguinte, às 9 da manhã, fomos à embaixada de Portugal em Islamabad para uma entrevista, e disseram-nos que devíamos esperar alguns dias para receber o visto. Como não era claro quando receberíamos o visto, reservámos um quarto num hotel perto da embaixada e ficaríamos lá até recebermos o nosso visto.
Na noite do mesmo dia, recebi outro e-mail da embaixada, no qual era dito que poderíamos obter o nosso visto na embaixada no dia seguinte. Estávamos muito felizes e esperávamos impacientemente para receber o nosso visto em breve, mas foi muito interessante para mim que pudéssemos obter o nosso visto da embaixada de Portugal em Islamabad em menos de 48 horas.
É importante mencionar que toda esta cooperação e o processo de obtenção do visto teria sido impossível para nós sem a ajuda de Bruno Maçães. Estamos muito gratos à fundamental cooperação dele em todas as fases.

No dia seguinte fomos à embaixada de Portugal em Islamabad e conseguimos os nossos vistos, foi um momento muito feliz e inesquecível, sentimo-nos muito felizes por podermos ir para Portugal. Estava sempre à espera de assegurar um futuro melhor para toda a minha família, de viver pacificamente e criar os nossos filhos num país pacífico, de os educar e também de podermos continuar os nossos estudos superiores. Assim, depois de obter o visto, sentia que as minhas expectativas se tornavam agora realidade.
Decidimos reservar os bilhetes de avião mais cedo, mas percebemos que tínhamos de esperar mais de 3 semanas para reservar o voo em classe económica. Como Roya estava no 8º mês de gravidez e a probabilidade de nascimento do bebé aproximava-se dia após dia, não podíamos esperar mais de 3 semanas. Para voar em datas mais próximas, só encontrámos bilhetes em classe executiva.
Decidi que tínhamos de reservar o voo em classe executiva, para viajar o mais brevemente possível e reservámos o nosso voo em classe executiva para o dia 9 de novembro de 2021.
Após 2 semanas no Paquistão, no dia 9 de novembro de 2021, tínhamos voo marcado para as 4 da manhã, e deixámos Islamabad para o aeroporto nessa noite e enfrentámos muitos problemas no aeroporto.
Os funcionários do aeroporto do Paquistão criaram-nos demasiados problemas. Eles estavam bem cientes da situação no Afeganistão, mas mesmo assim quando as autoridades fronteiriças do aeroporto viram os nossos passaportes, verificaram-nos repetidamente e perguntaram como obtivemos o visto paquistanês.
Das 21h00 às 3h30 da manhã, foram-nos retendo com várias desculpas, fizeram-nos perguntas e pediram-nos diferentes documentos que não eram necessários para aquele voo.
Após horas de perguntas e respostas e dos nossos esforços para viajar, faltavam apenas 15 minutos para o nosso voo e, nos últimos momentos, um dos funcionários superiores do aeroporto disse: “podem ir”.
Finalmente, às 4h30 do dia 9 de novembro, voámos de Islamabad-Paquistão para o Dubai e do Dubai para Portugal-Lisboa, e depois de mais de 11 horas, chegámos ao aeroporto de Lisboa às 14h00 do dia 9 de novembro de 2021.
Chegar a Lisboa, que foi como um sonho para nós, em que quase não acreditávamos, mas chegámos, foi o resultado de todo o trabalho árduo e cooperação do Sr. Bruno Maçães, do Sr. Seayer Ahadzada, da Embaixada de Portugal em Islamabad e do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal. Graças a eles, conseguimos chegar a Lisboa e começar uma nova vida.
Chegámos a Lisboa, mas o nosso próximo passo não era claro para nós: para onde iremos e o que devemos fazer? O tempo estava relativamente quente, no início fomos recebidos por um dos funcionários do departamento de imigração no aeroporto, e, depois de passarmos por todo o processo burocrático, fomos recebidos no aeroporto pelo Sr. Bruno Maçães. Ele ficou muito contente por nos ver e nós também tivemos imenso prazer em reencontrá-lo.
Passada uma hora, fomos trazidos do aeroporto para o centro de acolhimento do Conselho Português para os Refugiados (CPR). Havia um grande número de famílias de imigrantes de países árabes e duas famílias afegãs a viver nesse centro. Fomos dos primeiros refugiados do Afeganistão em Portugal. Todos os dias via como todos procuravam uma desculpa para estarem felizes. Portugal, com a sua bela natureza e boa gente, tornou-se a nossa segunda casa.
A minha primeira impressão sobre o país foi como se nunca tivéssemos pesquisado sobre Portugal quando estávamos no Afeganistão. Quando viemos para este país procurámos e descobrimos que Portugal é um país europeu, e quando aqui chegámos, vimos que Portugal é um país bonito com uma cultura enorme, um óptimo clima e pessoas realmente amáveis, simpáticas e alegres.
Passado este tempo, posso apontar algumas características, mas se tiver de escolher uma – a mais importante para mim – será definitivamente a abertura do povo português e a sua vontade de ajudar. Esta é uma das primeiras coisas que percebi e experimentei.
Ainda que não saiba falar português, isso não é um problema. A maioria das pessoas fala muito bem inglês, o que é muito interessante e faz-nos sentir ainda mais sortudos por estarmos neste país.
Passámos 4 meses no centro de refugiados e temos boas recordações de todos os imigrantes que lá estiveram, embora a imigração não seja uma situação fácil e eu possa dizer que é muito difícil.
Mas o nascimento do nosso filho Ahmad Zaeim Seerat a 9 de janeiro de 2022 fez-nos felizes. Ele trouxe sorrisos e felicidade aos nossos rostos e à nossa vida. Aqueles sorrisos e aquela felicidade que tinham desaparecido dos nossos rostos e da nossa vida devido ao estado do nosso país, da imigração e distância da nossa amada família e pátria.
Escreverei mais sobre como são as nossas vidas em Portugal no próximo episódio.

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* Samim Seerat é refugiado afegão em Lisboa, onde chegou em novembro de 2021 com a mulher e a filha. Foi pai, novamente, no dia 7 de janeiro. Em Cabul trabalhava como executivo de media no grupo MOBY detentor da Tolo News. É também fundador de uma start up chamada Paiwast Health Services. Escreve na Mensagem sobre a sua experiência em Portugal todos os meses.