Lisboa, 1 de Novembro de 1755. Cândido, um jovem de coração puro que tanto tinha de aventureiro quanto de ingénuo, logo após ter escapado a um naufrágio no Tejo, chega à nossa capital no exacto momento em que a terra lhe treme nos pés, o rio agita-se, turbilhões de chamas disparam, as casas desabam e os destroços dispersam-se.

Mesmo assim, no coração das trevas, com Pangloss, seu velho preceptor que o acompanha, afirma e acredita: 

– Se existe uma falha geológica em Lisboa, não podia estar noutra parte, porque é impossível que as coisas não estejam onde estão, porque tudo está bem!

E continuava:

– Não é obviamente este o melhor dos mundos possíveis?

Sempre agarrado a uma filosofia fundamentalmente – ou fundamentalista – na base do optimismo, Cândido, é um Grande Alfacinha que é afinal uma personagem da ficção literária.

No decorrer da sua viagem vive todos os azares da sua época.

Na cidade devastada de Lisboa, Cândido vai parar a um “belo” auto-de-fé, vê o amigo preceptor ser enforcado, questiona o Optimismo, mas depois é absolvido, e ainda vai reencontrar nas ruas de Lisboa a sua paixão que julgava morta, a bela Cunégonde.

A sátira que ridiculariza a teodiceia Optimista do filósofo Leibniz, Candide, ou l’Optimisme (1759) iria valer ao seu autor, Voltaire, pai do iluminismo e precursor da revolução francesa, a eterna antipatia declarada pelos seus críticos e a igreja.

Mas iria também transportar Lisboa a cenário de uma das mais aclamadas obras literárias do século XVIII.

Arrisco pensar que Cândido – optimista até ao insuportável – se hoje existisse ou aqui regressasse, seria nestes dias de crise, nesta mascarada cidade das lojas de luxo, turismo enlatado e nómadas digitais, um perfeito candidato a COE de uma Web Summit. Lisboa é fantástica, somos todos fantásticos, TUDO É FANTÁSTICO!

nuno-saraiva

Nuno Saraiva

Lisboeta empedernido, colaborou praticamente em toda a imprensa nacional. Cartunista político, o seu traço é o traço de Lisboa, é o autor das imagens das Festas de Lisboa de 2014 a 2017, criador dos troféus das marchas, e há 10 dos seus murais nas paredes da cidade. O seu livro Tudo isto é Fado! ganhou o prémio do Festival internacional de BD Amadora. Dá aulas na Lisbon School of Design e na Ar.Co. São dele todos os desenhos na homepage da Mensagem.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *