Lisboa é luz, o rio e o sorriso de quem passa. E nos últimos anos, Lisboa tornou-se um fenómeno visual. Os media internacionais dizem que é uma cidade instagramável: do LX Factory ao Chiado, passando pela rua cor de rosa e a zona ribeirinha, Santa Apolónia ou Marvila, a cidade ganhou ambientes cuja experiência vale um clique.
Longe vão os tempos dos autocarros verdes de dois andares, das pastelarias e das retrosarias, das castanhas assadas ou do pregão nas ruas. Lisboa já não é só nossa, menos ainda um segredo bem guardado que a internet não conhece. A nova cultura visual de Lisboa agrega valor ao espaço urbano real, recriando o espaço imaginado através de imagens cuja narrativa é uma partilha da história e da vida desta cidade. Lisboa instagramável? Apaixonadamente irreversível.
Criado com o intuito de agilizar a partilha de imagens nas redes sociais e melhorar o aspeto granulado das fotografias, a rede social Instagram surgiu em 2010, tornou-se um fenómeno esteticamente relevante e alterou a forma como observamos o mundo. Sobretudo, como vivenciamos o mundo: a ubiquidade das ligações e dispositivos móveis facilitou o registo de momentos. O Instagram contribuiu para a criação de uma narrativa visual que partilha a experiência de pessoas em todo o mundo, na busca da fotografia perfeita.
Aqui, Lisboa repleta de luz vibra com as quatro estações. As suas cores e os seus diferentes bairros tornam a cidade perfeita para criar um contexto instagramável. Porquê? A qualidade instagramável depende da fotogenia ou de um pormenor cativante que torna o banal em algo especial.
Uma narrativa visual cuidada
Pela minha parte, sempre quis morar no centro da cidade, vibrar com a sua dinâmica ruidosa, passar nas ruas movimentadas e imaginar-me numa capital ainda maior do que a nossa. Confesso-me uma apaixonada por esta cidade, talvez por ter crescido nos arredores. Durante muito tempo Lisboa era a exceção que me abria horizontes e fazia sonhar. Um dia deixei-me arrebatar, mudei-me para Lisboa, absorvi a vida de um dos seus bairros e nada voltou a ser igual.
Com uma renovada energia, criei o blogue urbanista, (re)aprendi a arte da escrita, recuperei o amor pelas palavras, o som e a fotografia, dei tempo ao tempo, que o mesmo tempo, aquele a que chamamos a vida, quase tinha apagado. Aprendi muitas coisas, sobretudo, a ver a vida através de um ângulo instagramável. Circulei de bicicleta, andei a pé, vivi Lisboa ao ínfimo pormenor e fui descobrindo uma cidade diferente, cada vez mais contemporânea e sofisticada, ao mesmo tempo que também Lisboa, se redescobria. E descobri essa cidade fotografável, também.
Lisboa é especial e apesar de eu nunca me ter imaginado como blogger, instagramer, ou influencer, aprendi a sê-lo e embarquei nessa aventura da profissão do século XXI. Sobrevivi para contar e posso dizer-vos que nesta experiência (também) instagramável descobri que Lisboa tem paisagens muito bonitas, nos últimos anos passou a ter comida visualmente apelativa e está repleta de locais secretos com ângulos que garantem sucesso no instagram.
Contudo, o Instagram é uma rede de pessoas, razão pela qual precisamos direcionar e enquadrar o olhar do espectador, valorizando a pessoa fotografada. As cores e as emoções que uma fotografia provoca, bem como o lugar onde acontece, podem fazer a diferença.
Os lugares mais instagramados
São muitas as histórias que a imagem conta, mais o texto e o subtexto que lhe podemos acrescentar. O LX Factory, por exemplo, oferece um um ambiente industrial decrépito, com estruturas de ferro e tijolo, paredes velhas que contrastam com a sofisticação urbana da cidade. A imensidão da Av. da Liberdade cria um ambiente exuberante quando fotografada a partir da Praça dos Restauradores, sendo também o lugar perfeito para uma combinação de cores, dada a variedade das fachadas dos seus edifícios. Junto ao rio, o Maat e o Museu da Electricidade são cenários muito conhecidos, que um ângulo diferente permite singularizar, aproveitando ao máximo o reflexo da luz solar no Tejo. E Lisboa é sobretudo, luz.
Para bloggers, instagrammers ou influencers, uma parede pode ajudar a reforçar a mensagem ou as cores da fotografia. Para esse efeito, Lisboa tem paredes de azulejo, portas e escadas bonitas que ajudam a transformar o quotidiano numa versão instagramável da vida de cada um de nós.
Campo de Ourique tem o Jardim da Parada e o largo da Igreja de Santo Condestável, bem como o cruzamento da Rua Domingos Sequeira com a Ferreira Borges.
Bem próximo, o jardim da Estrela cria um ambiente etéreo e a Lapa tem das portas mais sofisticadas que podemos encontrar.
Junto ao Ginásio Clube Português, na subida para as Amoreiras, há escadas, arcos do aqueduto das Águas Livres e uma encruzilhada de linhas de eléctrico que também já foram imortalizadas no instagram.
A geometria dos arbustos do parque Eduardo Sétimo, ou o pequeno lago do jardim Amália Rodrigues estão, a par com a Gulbenkian, entre as zonas verdes mais vezes captadas pela lente instagramável.
O Chiado é uma zona repleta de opções, que incluem as ruínas do Carmo e o elevador de Santa Justa, da mesma forma que o elevador da Glória ou da Bica oferecem ângulos altamente instagramáveis.
O Bairro Alto, a Bica e outros bairros tradicionais, com as suas ruas e ruelas são locais igualmente interessantes.
Os prós e os contras de uma cidade linda
Lisboa parece um cenário para bloggers e influenciadores digitais trabalharem, com paredes coloridas, azulejos, pedra em tons claros, praças e avenidas que garantem profundidade de campo e ângulos fechados que dificultam a identificação do local, mas Lisboa não é apenas cenário. Lisboa é vida, porque ainda há vida além dos ângulos bonitos que captamos para o Instagram.
Sempre o soube e sempre tentei incluir a vida que Lisboa tem em cada quadradinho do Instagram, mas, sabem, não é essa a Lisboa que as hashtags querem representar, num processo de plastificação e eternização de uma Lisboa semi perfeita que os filtros querem registar.
Lisboa é mais do que o Instagram pode mostrar e só caminhando, respirando e sentido a vibração da cidade nos podemos, verdadeiramente apaixonar.
Nos últimos tempos, afastei-me da cidade. Mudei novamente. Fugi do caos urbano que também é Lisboa, regressei a casa e olho para a cidade novamente como a exceção que sempre amei, porque nunca se desiste de um grande amor.
*Paula Cordeiro nasceu em Lisboa, criada de frente para o mar, já fez um pouco de tudo na área da comunicação. Da licenciatura ao Doutoramento em Ciências da Comunicação, tem combinado a investigação e o ensino com rádio e a comunicação digital. Foi coordenadora do departamento de Ciências da Comunicação no ISCSP, pro-reitora na Universidade Técnica de Lisboa e Provedora do Ouvinte na RTP. Em 2015 criou o urbanista. Vida Instagramável é o seu terceiro livro, recentemente lançado.
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