“But Mother, I don’t want to grow up” (“Mas, mãe, eu não quero crescer”). Foi com essa citação do filme Peter Pan que Francisco Pinto se anunciou ao mundo, através de um vídeo para a plataforma Youtube, para dizer que se tinha desafiado a pegar numa parte da infância de muitos de nós para construir algo inovador: uma máquina de tatuar feita com peças LEGO, a mesma que lhe gravou permanentemente na pele essa afirmação, a de que não quer crescer.

YouTube video

Uma ideia que Francisco fora alimentando desde que vira a exposição O mais profundo é a pele, do MUDE Fora de Portas, que reunia fragmentos de pele humana tatuada, recolhidos de corpos de criminosos, entre outros, parte do espólio do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses. Essas tatuagens tinham sido desenhadas com recurso a máquinas improvisadas, feitas, por exemplo, com agulhas presas a um fósforo.

“Pensei que era interessante construir uma máquina de LEGO e documentar o processo de pesquisa”, diz Francisco. Já que estas peças coloridas têm feito parte da sua vida e arte. Cinco anos depois, é com essa máquina de lego que Francisco, de 33 anos, tatua no espaço “Castigo”, em Arroios, com outros artistas.

Uma ode à infância

Francisco Pinto nasceu e cresceu em Alcácer do Sal, Setúbal. Da sua infância, lembra-se sobretudo dos dias passados a desmontar brinquedos com o avô. Esses serões a montar e a desmontar peças foram uma boa desculpa para que os pais lhe começassem a dar legos: “Assim eu não estragava nada”, recorda com um sorriso.

Os legos passaram a fazer parte da sua vida, e não só a habitar o seu universo de brincadeiras, como o dos desenhos: “Sempre quis fazer algo ligado às artes, mas o percurso de artista é muito difícil”, confessa. Essa ligação à arte e à construção vinha já de trás: o avô era carpinteiro, e daí esse seu gosto em montar e desmontar; e o pai tem uma oficina de bate-chapas, onde Francisco sempre trabalhou durante as férias de verão.

Quando chegou a altura de escolher que curso seguir, Francisco rumou a Lisboa, para tirar uma licenciatura em Belas-Artes, à qual se seguiu o mestrado em Multimédia. Mas nunca abandonou a ligação às peças LEGO, sempre presente nos seus desenhos, vídeos, instalações e até mesmo esculturas:

“Gosto dos temas dos legos, dos brinquedos, das coisas da infância… Faço coleção de legos, compro sempre na altura do Natal! Este Natal, comprei um carrinho telecomandado e um lego do Star Wars.”

Entretanto, quando terminou os estudos, começou a trabalhar no Museu Berardo, onde se manteve durante seis anos. Não pensou sequer em voltar a Alcácer: “Em Lisboa é que estão as galerias todas.”

Foto: Inês Leote

Onde entram as tatuagens?

A ligação às tatuagens não é tão óbvia quanto a ligação aos legos. Foi só depois de ver a exposição do MUDE que Francisco, que ainda não tinha nenhuma tatuagem, começou a pensar em tatuar. Arregaçou as mangas e fez o que lhe parecia impossível: construir uma máquina de tatuar com legos. Fez umas sete, até finalmente acertar e lançar o vídeo.

Entretanto, com o mundo confinado pela pandemia de covid-19, em 2020, Francisco viu-se obrigado a testar as suas tatuagens nele próprio, e na namorada, sempre dentro do universo da infância e dos legos. “Antes, só conhecia a tatuagem mais tradicional, e não me identificava muito com aquele estilo… Comecei a ver que havia estilos diferentes e a experimentar…”.

As tatuagens passaram a consumir grande parte do seu tempo.

A profissão de tatuador veio quase por acaso – primeiro os legos, depois as tatuagens. Foto: Inês Leote

Quando o confinamento foi levantado, Francisco e a namorada começaram a tatuar num estúdio, onde conheceram os três outros artistas que se juntariam mais tarde neste outro espaço: o “Castigo”, para onde se mudaram há cerca de um ano.

“Nós pensámos em mil nomes, e depois eu sugeri ‘Castigo’. Queríamos um nome que fosse só uma palavra, e achámos que seria giro, ‘vão para o castigo'”, brinca.

Já tatuou toda a família: o pai, a mãe, a irmã… “A minha irmã, sempre que me vem visitar, leva uma nova”, comenta.

Por agora, é aqui que poderão encontrar Francisco Pinto e a sua máquina de tatuar LEGO. Enquanto tatua, vão surgindo novas ideias para construções futuras: já tentou montar uma empilhadora e, agora, o desafio é um lava-ruas.

Foto: Inês Leote
Foto: Inês Leote

Ana da Cunha

Nasceu no Porto, há 28 anos, mas desde 2019 que faz do Alfa Pendular a sua casa. Em Lisboa, descobriu o amor às histórias, ouvindo-as e contando-as na Avenida de Berna, na Universidade Nova de Lisboa.

ana.cunha@amensagem.pt


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