Edis One cresceu em Telheiras, mas foi nas quintas da família em Mafra onde despertou o gosto pela natureza. Pensou em ser biólogo, mas percebeu que era antes artista. Então, começou a grafitar paredes com os amigos em 2007. Daí a 2018, ano em que lançou o projeto de murais Extinction, pintou paredes de quartos, murais nas ruas de Lisboa e ganhou até um recorde do Guinness – em 2016, pelo maior muro pintado com luz negra, nos Emirados Árabes Unidos. Agora, estreia uma nova exposição, à qual chamou “Who Cares?”, nos vários pisos do El Corte Inglês, até dia 22 de maio.

Afinal: quem se importa com o planeta? E como pode a inteligência artificial ajudar no alerta?

Conhecido pelos seus trabalhos sobre o mundo animal em ameaça, foi desafiado pelo Âmbito Cultural do El Corte Inglês a montar uma exposição. Como a ia criar de raiz, decidiu fugir ao que as pessoas podiam já esperar dele e experimentar algo novo – novo para ele, mas já familiar ao mundo em que hoje vivemos: criar retratos com o recurso a inteligência artificial (AI).

Edis One é natural de Telheiras. Foto: Inês Leote

Rostos de ninguém

No tempo dos seus primeiros graffitis, o que incluísse latas de spray era considerado vandalismo e marginal. “Na altura, era impensável que uma galeria de arte chamasse alguém do graffiti para expor o que quer que fosse. As coisas evoluíram muito.” Edis One ainda teve de trabalhar em design para uma cadeia de restaurantes antes de conseguir que o que era hobbie o mantivesse a tempo inteiro.

Trilhou este caminho em busca de reconhecimento. E prova que deu certo nesta exposição que hoje apresenta, composta por dois tipos de peças: retratos grafitados e retratos impressos com acabamentos em graffiti.

Mas os retratos que ali vemos da exposição não pertencem a ninguém.

Vídeo: Inês Leote

Foi o artista quem pediu à inteligência artificial que os criasse mediante as instruções: mais novo ou mais velho, com expressões e vestes típicas da Amazónia, do Quénia ou da Papua Nova Guiné – são exemplos. São sobretudo rostos de crianças que vivem em comunidades ameaçadas pela crise climática.

Foram várias as tentativas que levaram o artista até chegar aos retratos hoje expostos e até o próprio ficou surpreendido pelo realismo das imagens. É quase difícil acreditar que aquelas pessoas não são reais, que só existem ali. Por mais avançado que esteja a inteligência artificial, ainda estamos habituados a ver retratos com pormenores que nos fazem questionar a sua veracidade. Mas, ali, veem-se até os poros das caras das crianças e as rugas irregulares da face dos idosos. E Edis One confessa que pode usar a técnica mais vezes no trabalho que faz.

As outras peças, as maiores, partiram também dos retratos gerados, mas aí só serviram de inspiração para a criação em graffiti, no estilo já conhecido do artista.

Várias peças mostram o rosto de uma criança preenchido com palavras e expressões que passam uma mensagem de urgência ambientalista: “save your home” (“salva a tua casa”, traduz-se), “SOS“, “nature” (“natureza”), “love your home” (“ama a tua casa”), entre outras.

No rosto da criança pode ler-se “SOS”, “hope”, “nature” ou “love your home”, numa tentativa de apelar à sensibilização do público que as veja. Foto: Inês Leote

O piso zero do El Corte Inglês marca o início da exposição, que continua pisos acima.

A inspiração que vem do mundo… e da Tapada de Mafra

A inspiração vai buscá-la lá fora, mas diz que também há muito por onde ver em Portugal, de norte a sul do país: “Claro que cá não há a vida selvagem que existe no Quénia, mas Portugal tem uma vida selvagem que muita gente desconhece e lugares lindíssimos por onde nos podemos inspirar. Não é preciso ir longe: a Tapada de Mafra, por exemplo, fica a cerca de 20 minutos de Lisboa.”

Foi nesses mesmos campos portugueses que viu, quando era novo, o avô a caçar. “Apesar de ser caçador e eu não me rever nisso, ele sempre foi contra a caça abusiva e por diversão. Aprendi o respeito pelos animais com ele quando ele me dizia que só se caçava para comer.”

Todo o sentido desta exposição e do projeto Extinction é apelar à sensibilidade das pessoas e questionar sobre o futuro das espécies e do planeta. Resta saber quem se importa. “Se um animal está à beira da extinção em vida selvagem, se uma comunidade inteira de pessoas está em risco de desaparecer, quem é que quer saber? Nós tentamos fazer o que está ao nosso alcance para os preservar, mas no final do dia quem é que realmente se importa com isso? Daí o nome, ‘who cares?’”, remata o artista.


*Ana Narciso tem 22 anos, vem de Rio Maior, mas vive em Lisboa desde os 18. Foi pela paixão de contar histórias que escolheu licenciar-se em Jornalismo. Durante três anos, escreveu para o jornal da faculdade e passou muitas horas na rádio. É colaboradora da Mensagem de Lisboa – este texto foi editado por Catarina Reis.


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