Cem metros que ascendem ao céu: é essa a altura do hotel Sheraton, em Picoas, que abriu as suas portas em 1972 e que criou polémica numa cidade de edifícios baixos. Ainda hoje, 50 anos depois da sua inauguração – e apesar de o galardão do prédio mais alto da cidade pertencer agora à Torre Vasco da Gama -, o hotel continua a ser conhecido como “a oitava colina de Lisboa”.

Quando abriu ao público, o Sheraton tornou-se um marco na história da arquitetura. Mas não só: também se afirmou no panorama da indústria hoteleira, como terá dito um dos seus primeiros diretores gerais, Mendes Leal:

“A hotelaria portuguesa pode dividir-se em duas eras bem distintas, antes do Sheraton e depois do Sheraton.”

in O desperdício alimentar: o caso Sheraton Lisboa Hotel & Spa

Ainda hoje, dentro e fora, vemos traços disso: na entrada, as ninfas do Tejo, esculpidas em relevo, são uma imagem forte que nos relembra que estamos, pois, em Lisboa; e as paredes em mármore formam uma espécie de puzzle e compõem o lobby, onde reluz ainda um piano Pegasus, da marca Shimmel.

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A história de Belchior e de Carlota

As portas do Sheraton abriram-se para a cidade com 405 quartos e 451 colaboradores. “Foi sempre um hotel icónico”, conta Thierry Henrot, que assumiu o cargo de diretor-geral em 2019. Mas houve quem tenha acompanhado a longa história do hotel.

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Belchior Rosa trabalha há quarenta e quatro anos no hotel Sheraton. Foto: Vloom

É o caso de Belchior Rosas que, com apenas 17 anos, rumou de uma pequena terra do Alentejo para a capital e encontrou emprego no então recém-aberto hotel Sheraton – um edifício grande, muito grande, é a memória mais viva que tem.

Não foi, no entanto, a altura aquilo que o intimidou, mas antes a constatação de que viera do campo para um hotel de luxo. “Do ponto de vista da experiência, foi passar do oito para o 80”, recorda.

Foi nesta colina que Belchior começou por fazer trabalho de limpeza na copa do restaurante, assistindo à transformação deste hotel num ponto de encontro da elite lisboeta – e onde se instalaram, depois do 25 de abril, alguns dos retornados das ex-colónias.

As fotografias revelam a presença de personalidades como Júlio Isidro ou Cavaco Silva. Mas também estrelas internacionais: Frank Sinatra, Tina Turner, Bill Clinton, Gorbatchov.

Carlota Oliveira também conheceu muitas destas figuras. Ela, que aqui começou a trabalhar há 35 anos como empregada de limpeza, acabou por encontrar o amor enquanto limpava os quartos de hotel: não foi nenhuma figura pública, mas um também funcionário do Sheraton.

O antigo Palácio onde viveu Gulbenkian

Mas o Sheraton, antes de o ser, foi morada de um outro hotel, instalado num Palácio. Falamos do Palacete Silva Graça, propriedade de José Joaquim Silva e Graça, dono do jornal O Século, e que seria transformado no hotel Aviz pelo genro, Joseph Ruggeroni.

O hotel Aviz tornou-se num dos hotéis mais sumptuosos da cidade. Ao longo dos anos recebeu figuras como Evita Perón, os duques de Windsor, o general Eisenhower, Maria Callas, o rei Humberto de Itália e o escritor Somerset Maugham.

O hotel era também famoso pela cozinha, tal como se recorda num artigo do Público de 2004:

“A cozinha do Aviz era como um laboratório, um lugar de criação, onde se confraternizava à volta da mesa com o prazer de saber comer, que para os Ruggeroni era uma arte”.

Durante a Segunda Guerra Mundial, a neutralidade de Portugal trazia gente de todo o mundo a Lisboa, e o hotel Aviz foi um dos lugares escolhidos por aqueles que chegavam, considerado pelos americanos um dos hotéis mais seguros para os Aliados.

Foi também casa de Calouste Gulbenkian, que ali viveu 13 anos. O filho, Nubar Gulbenkian, escreve inclusive na autobiografia que o Aviz era:

“Um local fantástico que fazia lembrar Hollywood” .
in Público, 2014

O antigo Hotel Aviz. Foto: Arquivo Municipal de Lisboa

O arquiteto polémico

Com o fim do Aviz, em 1961, surgia uma oportunidade para a cidade crescer em altura. Foi o arquiteto Fernando Silva quem ousou sonhar com duas torres gémeas que acabariam por virar o Edifício Imaviz e, claro, o Sheraton.

O arquiteto até então destacara-se com uma outra obra da sua autoria: o Cinema São Jorge, vencedor do Prémio Municipal de Arquitetura de 1950.

“Técnico” e “pragmático”, como o descreve o arquiteto Salvador Menezes, Fernando Silva fora responsável por vários projetos de Lisboa, como o conjunto urbano da Portela, a Avenida da Igreja no bairro de Alvalade, o edifício Shell, o edifício Phillips, a Siderurgia Nacional. Além disso, venceu o prémio Valmor por três vezes.

“Não fez arquitetura de autor, pelo contrário, tem uma arquitetura anónima – deu sempre mais ênfase à técnica (resistência e durabilidade do edifício) do que à estética – e trabalhou maioritariamente para promotores privados, sendo por vezes criticado pelos seus pares.”

O Cinema São Jorge, a obra mais marcante de Fernando Silva. Foto: Arquivo Municipal de Lisboa

Foi Fernando Silva que se propôs a concretizar a ambição de construir Picoas em altura. Mas a obra não foi bem recebido por todos: em 1980, o historiador José-Augusto França descrevia assim o conjunto no livro Lisboa: Urbanismo e Arquitetura: “(…) banais arranha-céus ‘Avis’ e o ‘Sheraton’”.

Hoje, a cidade em altura já não assusta tanto como dantes. Essa ambição de Fernando Silva foi continuada, como se pode ver pela Torre de Picoas, também ela envolta em polémica.

Construída em 2018 pelo atelier Barbas Lopes, com 67,8 metros, a Torre de Picoas surgiu graças à revisão em 2012 do Plano Diretor Municipal que implicou o desaparecimento de restrições urbanísticas relativas à construção em altura nessa área.

Tudo muda, a vista permanece

Os tempos passaram pelo Sheraton.

Belchior Rosa, que começara a trabalhar na copa do restaurante, passou pelo armazém de bebidas, tornou-se se empregado de mesa e ascendeu, finalmente, a Chefe de Sala. “São 44 anos. Muitas memórias. Grande parte boas, sem dúvida!”, diz ele.

Carlota, a mulher que aqui se apaixonou por um outro funcionário, começou como empregada de limpeza e foi descobrindo o mundo da hotelaria: o cargo de que mais gostou foi o de “butler” (mordomo). “Acompanhávamos o cliente da receção ao quarto, desfazíamos as malas, ajudávamos os clientes a fazer as malas…”.

Hoje, trabalha no departamento de “food and beverage” (comida e bebida).

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Carlota e Thierry Henrot, diretor-geral do hotel. Foto: Rita Ansone

Eles, que acompanharam as mudanças, sabem contá-las.

“Tem sido interessante acompanhar as mudanças que a hotelaria tem vindo a passar, sobretudo a procura pelo tradicional produto de luxo que cada vez mais é substituída pela qualidade do serviço e introdução de conceitos inovadores”, conta Belchior.

“O hotel mudou, em tudo…”, desabafa Carlota. “Em 1987, quando eu entrei, o hotel chamava-se Sheraton Towers, agora é Sheraton Lisboa Hotel & Spa.”

O spa foi uma novidade que surgiu em 2007. Hoje, é uma das suas grandes atrações: funciona numa parte do hotel com um ginásio aberto 24h por dia, um jacuzzi e ainda uma piscina. É na piscina que se promovem sessões de cinema ao ar livre no verão, com direito a pipocas e “ao melhor cachorro-quente de Lisboa”, diz Thierry.

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A vista sobre a cidade de Lisboa na sala de reuniões. Foto: Rita Ansone

Mas o diretor dá conta de outras mudanças: o antigo restaurante, o famoso Panorama, onde trabalharam chefs como Henrique Sá Pessoa, transformou-se numa sala de reuniões. “É a cereja no topo do bolo”, diz ele.

Neste espaço, conserva-se alguma da memória do passado: aqui em tempos haveria uma cave de vinhos, e a decoração relembra isso mesmo com garrafas de vidro vazias. Quantas personalidades conhecidas ali terão jantado? Com o espaço transformado, restam estas memórias.

Mas há algo que nunca muda neste espaço, e que tão bem caracteriza este hotel: essa vista panorâmica sobre Lisboa, de um lugar que almejou ser a oitava colina desta cidade.


Ana da Cunha

Nasceu no Porto, há 27 anos, mas desde 2019 que faz do Alfa Pendular a sua casa. Em Lisboa, descobriu o amor às histórias, ouvindo-as e contando-as na Avenida de Berna, na Universidade Nova de Lisboa.

ana.cunha@amensagem.pt


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3 Comentários

  1. Caminhando pela Net ao acaso, da mesma forma como o pratico pelas ruas de Lisboa, vim ter a esta avenida, de seu nome “Mensagem”.
    Fico grato pela qualidade dos artigos que me vão oferecendo. Permitem-me recordar esta Cidade onde vivo há sessenta e oito anos.
    O Hotel Sheraton não é excepção às minhas vivências.
    Quantas vezes a nossa roda de amigos se reuniu no último piso, para beber um copo, ao som do piano…ou no Bar de uma das caves com o Rui Guedes a tocar .
    Gratas recordações que me levaram a pensar: porque não dar um salto hoje ou amanhã ao Bar do Sheraton?
    Será que ainda existe?
    Luís Santos

  2. Parabéns pela reportagem sobre o Hotel Sheraton, entretanto – estou à disposição para complementar esta história e narrar o que aconteceu com o projeto da nossa Fundação Geolíngua e que nasceu neste hotel Sheraton de Lisboa e, lá permaneceu entre 1996 e 2004, com noticias no Público, SIC, RTP, RTPi … entre outros. – A nossa Fundação teve o apoio ideológico e material de 3 dezenas de empresas nacionais e multinacionais.

  3. Que bom que reavivamos uma velha memória, Luís!
    Bom regresso ao Sheraton.
    E obrigada por nos ler!

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