Parece que o amor já não é à camisola, mas sim às Marchas Populares. Para muitos dos marchantes naquela que é a coreografia mais tradicional lisboeta, já não interessa se dançam pela freguesia de São Domingos de Benfica, pela Bica ou por Campo de Ourique. O que querem é marchar todos os anos e salvar o futuro desta tradição em várias freguesias, que há anos se debatem com a falta de homens. Por isso, saltam de marcha em marcha, para aquela que desejar marcar presença e que se diz com falta de gente. Alguns chegam de outras freguesias e tantos outros recrutados da margem sul.

Bruno Frazão é uma das pontas deste novelo.

Este ano, é o ensaiador das marchas de São Domingos de Benfica. Para além de ensaiar, tem todo o projeto em seu nome: desde os figurinos, aos arcos e às letras, ali tudo está a ser criado por ele. Está deste lado da margem a pôr homens e mulheres a dançar, mas não só. Ao mesmo tempo, assume o papel de ensaiador em Setúbal, pela marcha do grupo desportivo Independente. E é de lá, e do grupo desportivo setubalense, os 13, que traz os nove homens que vêm ocupar as marcações vazias em São Domingos de Benfica. No ano passado, trouxe 31 pessoas para a marcha Baixa.

Bruno é o ensaiador das marchas de São Domingos de Benfica, mas também em Setúbal. Fotos: Inês Leote

Bruno Frazão explica que não é difícil arranjar mulheres. Em São Domingos de Benfica, apareceram 38, mas só podiam levar 25 – cada marcha está limitada a 25 homens e 25 mulheres. Em Setúbal, já nem abrem inscrições. “São marchantes de há muitos anos e quando tem de haver uma substituição normalmente vem a filha ou uma prima ocupar o lugar dessa mulher. Acaba por não sair muito do seio familiar.”

Com os homens há sempre uma preocupação maior, tanto em Lisboa como em Setúbal.

“Muitos pensam que isto são coisas de mulher e outros que dançar é pouco masculino. Há coletividades que já optam por ter apenas dez homens. O resto são mulheres.”

Então, o que explica que só recentemente nos tenhamos confrontado com a falta de homens? A resposta pode estar na cultura antiga. Nos primórdios, as Marchas Populares eram o sítio onde se arranjava namorados e namoradas. Quantos pezinhos de marchantes não conquistaram amores para toda a vida? Mas hoje já não é bem assim, hoje há outros lugares, até digitais, para encontrar o amor.


Uma vez por outra, alguém foge à regra. É o caso de Carmen e Nuno Jones, da marcha do Independente.

Ainda no parque de estacionamento da escola onde decorrem os ensaios, é apresentada a família Jones. “Estes nasceram da marcha e têm-na no sangue”, Carmen aponta para os três filhos que caminhavam um pouco mais à frente, em direção ao campo do ensaio.

A família Jones mantém as novas gerações nas marchas. Fotos: DR/Inês Leote

Carmen começou na marcha do Cosmos, uma coletividade extinta em Setúbal. Tinha ela 14 ou 15 anos – não sabe precisar. A história que sabe de cor é aquela que em 1997 a faz entrar na marcha do Independente e aí conhecer Nuno, num tempo em que homens não faltavam nas marchas. Ela com 19 e ele com 17.

“Ele é que se meteu comigo! Roubou-me o primeiro beijo antes da apresentação na praça de touros. Disse-me que era para dar boa sorte”, sorri. Conheceram-se na marcha, apaixonaram-se, casaram e deste amor marchante nasceram três filhos.

Nem grávida Carmen deixou de marchar.

“A Joana, a minha mais velha, nasceu em abril. Não faltei a um ensaio. Num dia estava a ensaiar, no dia a seguir ela nasceu e no ensaio seguinte já cá estava outra vez. Deixei-a com a minha irmã e passei o ensaio a ligar para casa a perguntar se estava tudo bem. Do Alexandre, o meu do meio, também marchei grávida. No dia da apresentação, tive de prender a saia com elásticos porque a barriga estava tão grande que já não dava para juntar os botões.”

Este é o primeiro ano da Inês, a mais nova, como marchante. Tem doze anos, mas desde os quatro que faz parte da marcha. Começou como mascote – a criança que acompanha os padrinhos no desfile – dos quatro aos dez anos. Só parou no ano passado, por já não ter idade para ser mascote e ser muito nova para ser marchante. Mesmo assim, acompanhava a família nos ensaios. 

“É muito normal trazer-se os filhos para os ensaios. Há muitas famílias aqui. Hoje, por acaso, não estão cá os carrinhos dos bebés, mas costumam estar aqui em fila”, Carmen aponta para a linha de fora do campo onde a plateia, feita por meia dúzia de familiares dos marchantes, fica a ver os ensaios.

Todos os membros da família, menos a Inês, juntaram-se no ano passado a tantos setubalenses que decidiram marchar por uma freguesia lisboeta, em nome da tradição que não conhece fronteiras. Marcharam pela Baixa, a convite de Bruno Frazão, que estava consciente das dificuldades em encontrar pés dançantes nesta zona.

Este ano não repetiram por ter sido muito cansativo para todos: os pais trabalham oito horas num supermercado e os mais novos têm escola e trabalhos de casa. Além disso, as mulheres da família ainda praticam Taekwondo, no Independente, todas as semanas. O dia a dia cada vez mais atribulado das famílias está a tornar difícil manter a tradição.

Contudo, ainda este ano, juntou-se mais um membro do clã Jones às marchas, Kath Oliveira, namorada de Alexandre. Também ela mulher. Homens novos é que não tem havido.

Sobre o futuro das marchas populares, o ensaiador Bruno não é fatalista. Não lhe passa pela cabeça que estas venham a acabar num futuro próximo. Dá antes uma ideia diferente: que possam concorrer também marchas com mais mulheres do que homens, ou quem sabe, só de mulheres.


Enquanto as regras não mudam pela proposta de Bruno Frazão, ele próprio testemunha o renascer da tradição em São Domingos de Benfica. Não é uma das marchas com mais história em Lisboa: participaram em 2018, 2015 e a última vez tinha sido 25 anos antes. Mas, este ano, a marcha voltou a ser sorteada* para participar.

Aqui a marcha é alegre e viva, mas também é exigente. Bruno mantém os marchantes nas linhas de marcação iluminadas pelos fracos lampiões, no campo de futebol ao ar livre da Escola Secundária Dom Pedro V, na freguesia. Qualquer engano faz com que voltem ao início do jogo. Num dos ensaios, os homens enganaram-se cinco vezes e foram cinco as vezes em que os voltaram todos à marcação inicial. Ouviram-se ralhetes e chamadas de atenção. Naquele dia, em campo, o árbitro, que também é treinador, entregou um cartão vermelho a um dos marchantes, que não estava a levar o ensaio a sério.

Fotos: Inês Leote

Enquanto os marchantes ensaiavam, na bancada de pedra do campo de futebol estava a Carolina e o Afonso, de nove e sete anos. Estavam à espera dos pais, ambos marchantes. O Afonso estava entretido a jogar no telemóvel enquanto a Carolina imitava os passos dos crescidos em campo. A Carolina, quando crescer, quer ser marchante. Já o Afonso apenas disse que queria ser o Neymar. “Eu já sei uma dança toda de cor! Há uma nova que ainda não consegui aprender, mas já estou quase!”, contou a Carolina, que nunca se aborrece num ensaio. 

Isabel Mendes é presidente da comissão de moradores de São Domingos de Benfica, mas desde fevereiro que mete as tropas a marchar duas vezes por semana. É o segundo ano que organiza a logística da marcha da freguesia e não deixa que nada lhe escape, porque a responsabilidade de manter a tradição viva é muita. Noutros tempos também ela foi marchante.

Aqui faltam homens. Para todos os ensaios, nove homens passam a ponte para vir reforçar a marcha. Tentaram chamar os moradores da freguesia, mas, mesmo assim, não conseguiram ocupar todos os lugares. A certo ponto, têm de começar a procurá-los noutros lados. Bruno explica que os ensaios têm de avançar e, se faltarem pessoas, o trabalho torna-se mais difícil.

Isabel Mendes diz que a única solução à vista é diminuir o número de pares de marchantes – de 25 para 20. Para além de ajudar no recrutamento, também diminui os custos gerais da marcha – aqui, prevê-se que vá chegar aos 40 mil euros, este ano.

Em São Domingos de Benfica queixam-se da falta de um teto para ensaiar

Começaram por ensaiar no salão paroquial da igreja de São Domingos de Benfica, mas o espaço tornou-se demasiado pequeno. Precisavam de um espaço que se assemelhasse às dimensões do palco onde vão atuar pela primeira vez, no próximo dia 2 de junho, no Altice Arena. 
Isabel tentou arranjar um espaço nos vários pavilhões cobertos nas escolas da freguesia, mas estavam todos ocupados pelo Sport Lisboa e Benfica, que treina as modalidades fora do estádio. A Junta de Freguesia não tem este tipo de espaços a seu cargo e Isabel aproveita para se queixar da falta de dinamismo da Junta, dizendo que “nem um teatro ou umas piscinas há aqui. Vamos aqui ao lado (a Benfica) e há tudo”.  
O Presidente da Junta de São Domingos de Benfica e conhecido fadista, José da Câmara, diz que poucos presidentes conhecem e apreciam as marchas tanto como ele. Já foi padrinho de três marchas e começou a carreira musical no Parque Mayer. Procura apoiar a marcha na maneira do possível. Está à procura de financiamento, mas, sem a aprovação das contas pela Assembleia de Freguesia, diz que não consegue fazer nada. Espera ter uma resposta até ao final do mês, mas não promete nada, para não se comprometer. Também procurou pavilhões por toda a freguesia, mas recebeu a mesma resposta que a Isabel: estão todos ocupados. 
Os ensaios são agora no campo de treino da Escola Secundária Dom Pedro V, na Laranjeiras, a céu aberto. Foi o que se arranjou. Mas do céu pode cair chuva e não há estrutura que os proteja do vento e do frio. Os marchantes não se queixam do frio, mas ainda não choveu durante o ensaio. De tanto correrem de um lado para o outro aquecem o corpo, mas a linha de apoio à marcha, composta por cinco pessoas, fica sentada na bancada fria de pedra. 


A alguns quilómetros, Vanessa Rocha ensaia a marcha de Alfama, que conta um exemplo de resiliência em tempos exigentes. Estes marchantes, antes moradores do bairro, chegam hoje de toda a Área Metropolitana de Lisboa.

Vanessa é mais um caso de alguém que tem a tradição no sangue. Foi nascida e criada no bairro e seguiu o pai, que foi o organizador da marcha durante 20 anos. Está ela a ensaiar há 14 anos. Hoje, como muitos dos seus vizinhos, já não mora no bairro que a viu crescer. Saiu, com o marido, há seis anos, empurrados pelo alojamento local. Vários marchantes, que em tempos moravam no bairro, hoje estão a viver na margem sul ou na linha da Azambuja, por exemplo.

Mas nem por isso deixam de vir marchar. “Temos um marchante que teve de ir morar para o Carregado por já não conseguir suportar a renda de Alfama. Sai dos ensaios a correr para ir apanhar o último comboio em Santa Apolónia.”

Vanessa ensaia a marcha de Alfama há 14 anos. Foto: Inês Leote

“Por enquanto, e graças a Deus, ainda não nos faltam marchantes em Alfama. Temos muitas candidaturas, até dava para fazer duas marchas. Já não somos todos do bairro, temos muitos marchantes que vêm de outras marchas. A vida muda, as pessoas mudam e a marcha às vezes tem de ficar para trás.”

A pressão no bairro começou a sentir-se em 2015, mas foi especialmente forte naquele dia de 2019 quando voltaram da apresentação das Marchas Populares no Altice Arena:  “Antigamente, saíamos do pavilhão e quando chegávamos ao bairro tínhamos toda a gente à espera para subir a rua connosco. Havia uma grande festa. Mas, em 2019 chegámos e não havia ninguém na rua, só turistas a tirar fotos à janela. Foi um misto de emoções muito complicado. Os bairros estão a perder a identidade. Em Alfama os turistas vão lá para ver turistas. Já não tem nada a ver com o bairro em que cresci.”

Há um dia para quebrar a agora paisagem habitual: no dia de Santo António, volta toda a gente ao bairro. Mas quando a noite cai, volta a tristeza pelo que já não existe: “Vemo-nos de ano a ano, mas é muito triste chegar à noite e ir todos embora dali, já não somos vizinhos.”

Qual a origem das marchas?
Tudo terá começado em 1932, no Parque Mayer, com três ranchos: Alfama, Benfica e Bairro Alto. Ali marcava-se o início das marchas populares de Lisboa. Passado dois anos, já desfilavam 12 ranchos da cidade. A iniciativa ficou a dever-se ao jornalista José Leitão Barros, que a lançou no Notícias Ilustrado, em parceria com Diário de Lisboa. Mas terá sido Luís Pastor de Macedo, vereador da CML com o pelouro da cultura, quem patrocinou a primeira marcha e a incluiu no programa das festas da cidade de Lisboa.


Como Bruno Frazão, dividido entre margens, também Vanessa ensaia, desde 2017, a marcha da Charneca da Caparica, ao fim de semana. Desta vez quem precisa de reforço, é a marcha da outra margem do Tejo. É a lei do dar e receber na sua plenitude.

Todos os fins de semana, lá vão seis marchantes de Alfama para a Charneca da Caparica. “Lá também é muito difícil arranjar homens para marchar. Eu levo quatro homens comigo e ainda há um que vem da marcha de Marvila.”

Muitas vezes, as marchas só ficam completas quando o evento em Lisboa acaba. Ou porque os marchantes não estão prontos para esperar mais um ano para voltar a marchar, ou por estarem mais folgados: só menos de duas semanas antes da apresentação das marchas da margem sul é que conseguem preencher as últimas marcações.


Pedro Machada já participou em muitas marchas. Foi de Campo de Ourique para Benfica, para Baixa e este ano está em São Domingos de Benfica – onde tem casa. Conta que antes de se juntar às marchas tinha vergonha de dançar. Achava que era uma coisa pouco masculina, mas, quando se juntou, em 2010, nunca mais saiu. Também diz que as marchas são mais fáceis para as mulheres: “Elas estão mais habituadas a fazer várias coisas ao mesmo tempo.”

Foto: Inês Leote

Tiago Raminhos é um dos mais novos na marcha. Passa a ponte, vindo de Setúbal, com o resto do grupo, duas vezes por semana para ensaiar em São Domingos de Benfica. Nos outros dias, ensaia a marcha do grupo desportivo do Independente, em Setúbal. Resta-lhe o fim de semana e a sexta-feira para descansar, por enquanto, pois a partir de maio a marcha de São Domingos de Benfica vai também ocupar-lhe essa noite.  

Foto: Inês Leote

Vânia e Leonor Silva são mãe e filha. Vânia, a mãe, participa nas marchas desde o ano 2000. Passou por Benfica, pela Baixa e este ano está em São Domingos de Benfica. Leonor começou em 2015 como mascote e entrou este ano para o lado dos crescidos. A outra irmã, Érica, também é marchante, mas faltou ao ensaio naquele dia.

Foto: Inês Leote

Cristina Oliveira vem da Baixa até São Domingos de Benfica. Participa nas marchas desde 2009, mas este ano a Baixa não foi sorteada para participar. Juntou-se então ao grupo de São Domingos de Benfica para não perder outro ano de marcha. Em 2019 juntou-se a Almada e “em duas semanas tinham uma marcha feita.” Conta que em Lisboa há mais competição e garra, em comparação com a marcha de Almada. 

Foto: Inês Leote

Rita Rosendo já foi militar, mas sempre sonhou em marchar por Alfama. Começou por se juntar à marcha de São Vicente, durante cinco anos, mas sempre com Alfama na mira. Conseguiu entrar no ano passado, como aguadeira, mas a sorte saiu-lhe quando houve uma baixa e passou para o lado dos marchantes. Este ano, volta a descer a avenida por Alfama e é uma das marchantes que acompanha a Vanessa até à outra margem, para a Charneca da Caparica. Curiosamente mais perto de casa, que fica na Trafaria.

Foto: Inês Leote

No Alto do Pina, as marchas também são em escala pequena.

Não é uma novidade: os Alto Pininhas já existem há mais de dez anos. Rita Ramos tem 43 anos, foi marchante nos Alto Pininhas e começou a ensaia-los aos 15 anos, na mesma altura em que entrou para a marcha dos adultos.

“Sempre fomos habituados a defender o nosso bairro. Seja nas festas de Lisboa ou nas marchas. Os meus pais foram marchantes e eu marchei na barriga da minha mãe, pelo nosso bairro. Isto faz parte de nós e vicia.”

Os Alto Pininhas têm entre os seis e os doze anos e são todos ali do bairro. Filhos de marchantes que querem seguir as pisadas dos pais, começam pela marcha dos pequenos para um dia conseguirem entrar na dos crescidos.

As inscrições para este ano ainda não fecharam e as candidaturas já são mais de 50 – o dobro do necessário para participarem.

No bairro do Alto Pina não faltam marchantes pequenos nem grandes, até pelo contrário, há a mais.

“Isto aqui é muito familiar, é tudo filhos ou netos de marchantes. Lembro-me que na minha altura tive muita dificuldade para entrar na marcha dos adultos. Fazia tudo certinho e direitinho. Estava lá todos os dias, a dar sempre o meu melhor para tentar arranjar um lugar para mim. E, como eu, todos os anos os mais novos lutam por um lugar, mesmo já tendo a experiência dos Alto Pininhas. Nós aqui nunca tivemos falta de marchantes, graças a Deus.”

A filha mais velha de Rita já é marchante com os crescidos e a do meio junta-se este ano pela primeira vez, vinda dos Alto Pininhas. 


Comparando as duas marchas, que conhece bem, Bruno Frazão conta que em Setúbal ainda há uma visão muito conservadora das marchas. As bases estão nas raízes das marchas populares, como eram feitas antigamente. Em Lisboa, já se começa a ver uma evolução no sentido estético.

“Também comecei nesse registo tradicional, mas fui rompendo com a tradição. Em Setúbal fui o primeiro a levar arcos de uma só pessoa. Também introduzi a dança na marcha. Só se marchava, não havia um pulinho ou um movimento de braços.”

No Grupo Recreativo Palhavã, também em Setúbal, em 2006, com o tema do mercado do livramento, Bruno foi dos primeiros a desmanchar arcos – lembra bem: o arco que inicialmente tinha a fachada de azulejos do mercado transformava-se nas várias bancas de venda. “Os arcos estavam todos cheios de engenhocas, tirava-se uma parte e transformavam-se por completo. Foi uma surpresa para todos, ninguém estava à espera que o arco se desmanchasse. Eu acho que o arco também tem uma função nas marchas e nem em Lisboa se dá esse uso.”

A marcha da Palhavã levou, nesse ano, o primeiro lugar, o prémio dos melhores figurinos e coreografia.

Bruno tem virado muitas cabeças e dado asas a comentários negativos por introduzir coisas novas nas marchas de Setúbal. Por outro lado, os prémios que tem recebido mostram que também há reconhecimento pelo que faz: em 2018, todos os prémios possíveis foram para as sedes das marchas em que Bruno trabalhou. Na União desportiva das Pontes, conquistou a melhor letra de uma música. No Independente, levou o resto. Diz que só nunca ganhou a melhor música, porque não sabe compor. 

O orçamento também faz a diferença na história entre as margens. Em Lisboa, a EGEAC – Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural -, da Câmara Municipal, dá a cada marcha 30 mil euros. Em Setúbal, o orçamento fica-se pela metade: 14 mil euros entregues pela Câmara.

O dinheiro não chega em nenhuma das marchas. Este ano, Isabel Mendes já prevê que a marcha de São Domingos de Benfica vá chegar aos 40 mil euros. Para compensar esta diferença, não podem contar com a Junta de Freguesia, como outras marchas. Estão a preparar almoços, rifas, camisolas e quermesses para juntar os dez mil euros que faltam.

Em Setúbal, a marcha não deverá ficar longe dos 23 mil euros. Mas aqui, como pertencem a uma coletividade, não têm de fazer angariações de fundos para cobrir o que falta, é a própria coletividade que entra com o dinheiro. “É claro que faz mossa aqui nas contas. O que nos vale é que a coletividade funciona bem. Tem sempre as portas abertas durante o dia, vende cafés, bifanas e tem muitas atividades”.

Quanto à competição, esta é feroz. Todos querem ganhar e todos acham que a melhor marcha é a sua. “São muitos meses de trabalho e ninguém gosta de perder. O problema é quando não se sabe aceitar a derrota…” Bruno conta que houve até um ano em que uma vereadora da Câmara Municipal de Setúbal teve de ir de urgência para o hospital com os dentes partidos.

Os conflitos já faziam parte da tradição, tanto que hoje, em vez de saberem quem são os vencedores no Estádio do Bonfim, esperam que o resultado caia no site do município. Em vez de reunirem a multidão nervosa num só espaço, no final da marcha, cada coletividade é devolvida ao seu espaço.

Mas esta medida não resolveu tudo. Em 2010, enquanto festejavam a vitória dentro do pavilhão da associação do Independente, entrou uma pedra disparada vinda das janelas altas. Por sorte, não acertou em ninguém.

*Sobre os sorteios das marchas:
Para as marchas entrarem a concurso, há todos os anos um sorteio em Lisboa. As últimas três classificadas no ano anterior, à partida, ficam de fora no ano seguinte. Assim, passam a existir três novas vagas todos os anos. Existem três opções no sorteio:
1. Se houver três marchas novas a querer entrar no concurso, entram automaticamente, ocupando os lugares dos três últimos classificados;
2. Se houverem quatro ou mais marchas novas, então há um sorteio, pois só podem entrar três;
3. Caso não haja nenhuma marcha nova a candidatar-se, então as três marchas eliminadas, podem voltar a participar.
Em Setúbal, as regras são as mesmas: os três últimos classificados são eliminados, caso haja dez marchas a concurso. Contudo, nos últimos anos, têm apenas participado entre cinco a seis marchas, o que faz com que não seja preciso sortear qualquer marcha.


*Ana Narciso tem 22 anos, vem de Rio Maior, mas vive em Lisboa desde os 18. Foi pela paixão de contar histórias que escolheu licenciar-se em Jornalismo. Durante três anos, escreveu para o jornal da faculdade e passou muitas horas na rádio. É estagiária na Mensagem de Lisboa – este texto foi editado por Catarina Reis.

*Este artigo foi publicado pela primeira vez a 13 de abril de 2023.


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3 Comentários

  1. Adoro ver as nossas marchas ,mas todos os anos troco pela marcha de Alcântara e Ajuda força a todas elas mas em especial as minhas duas marchas favoritas

  2. Na introdução fala-se na Costa da Caparica, mas no corpo da notícia referem-se elementos da Charneca da Caparica, Trafaria e Almada?

    A que propósito é que se fala na Costa?

    Podiam, de facto ter entrevistado ou terem falado de pessoas da Costa envolvidas nas marchas de Lisboa, que as há e de grande qualidade, mas não falam, por isso não percebo a que propósito a mencionam na introdução!

    Atenciosamente

  3. Olá, Rui
    Houve um erro nosso: era suposto ser “Charneca da Caparica” na introdução também. Já corrigimos. Obrigada pela atenção!

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