Jardim da Parada Jardim Teófilo Braga
Os lodãos do Jardim da Parada, em Campo de Ourique, em risco. Foto: Orlando Almeida

Há muito que os vizinhos de Campo de Ourique se perguntam quando é que o metro vai chegar ao bairro. É consensual que a zona ocidental de Lisboa precisa de metro, que Campo de Ourique precisa de metro. A obra, prevista no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) 2021-2026, tem um investimento europeu de 304 milhões de euros.

Por isso mesmo, esperava-se entusiasmo quando foi anunciado que a linha vermelha ia crescer, passando pelas Amoreiras, Campo de Ourique, Infante Santo e, finalmente, Alcântara.

Mas não foi isso que aconteceu. As soluções encontradas para o prolongamento da linha vermelha têm gerado evidente descontentamento.

Em Alcântara, a obra vai implicar a construção de um viaduto de 380 metros que atravessa o Vale de Alcântara entre o Baluarte do Livramento e a futura estação de Alcântara, levantando dúvidas em relação aos impactos ambientais e visuais.

Em Campo de Ourique, há um outro senão: “Pense no único sítio de Campo de Ourique que ninguém se lembraria de amputar”, escreveu Cláudia Moura, moradora em Campo de Ourique, na sua página de Facebook. “Exatamente! Todos os caminhos vão dar ao Jardim da Parada”.

Uma estação de metro no Jardim da Parada. É isso mesmo que propõe o plano de prolongamento da linha vermelha, o que causou desagrado na população.

“Eu quando soube que iam construir o metro pensei ‘uau finalmente’, mas este é um presente envenenado”, diz Cláudia Moura.

“Todas as justificações que nos têm dado para a construção do metro estão corretas, o sítio é que não está”, defende Catarina Mexia, também moradora em Campo de Ourique e criadora de uma petição contra a obra.

A memória de um lugar

Para quem ali vive, o Jardim da Parada é um lugar de grande valor: logo pela manhã, é aqui que os mais velhos e os mais novos se reunem. Nas mesas do quiosque, nos bancos de jardim, no coreto. É um ponto de encontro de todos os dias.

“É o símbolo, o elo do bairro”, resume Cláudia. Um lugar que para os moradores não pode ser desvirtuado.

O Jardim da Parada, um outro nome dado ao Jardim Teófilo Braga por ali se realizarem as paradas do Quartel, é um lugar que remonta a um dos primeiros planos desenvolvidos na segunda metade do século XIX para melhorar a cidade: o plano do bairro de Campo de Ourique.

Projetado em 1878 mas na verdade só concluído em 1958, o bairro foi uma das primeiras iniciativas da Repartição Técnica da Câmara Municipal de Lisboa para dar um novo rosto à cidade.

O Jardim da Parada faz parte dessa História.

Em 1880, o técnico Augusto César dos Santos prescindiu da construção de um dos quarteirões para ali construir o jardim, que ficaria concluído na década seguinte. Mais tarde, em 1920, ali se erguia a bem conhecida estátua de Maria da Fonte (símbolo da revolta que pôs fim ao cabralismo em Portugal) pelo escultor Costa Mota (tio).

E a História preocupa os moradores, especialmente no que diz respeito ao património de árvores, maioritariamente centenários lódãos-bastardos.

Nos primeiros planos para a construção do metro (e que são aqueles que se encontram até à data disponíveis no portal participa.pt), previa-se o abate de 13 árvores, estando 10 desprotegidas pela sua proximidade aos dois poços de ataque (a obra contemplava dois poços de ataque e um de ventilação, este último junto à Escola Engenheiro Ressano Garcia). O parque infantil seria também retirado e as casas de banho demolidas.

As plantas do projeto inicial que constam no parecer do arquiteto paisagista Sidónio Pardal . Fonte: participa.pt

A única solução?

A população de Campo de Ourique propôs desde logo pontos alternativos para a construção da estação de metro: o Quartel, os Prazeres, a Praça João Bosco, a Praça Afonso do Paço.

Pedro Costa, Presidente Junta Freguesia de Campo de Ourique.

Mas, com a exceção do Quartel, há um problema com estas soluções: não permitem que se alcance a parte baixa de Alcântara. “Há 30 anos que o metro está a estudar uma maneira de chegar a Alcântara”, diz Pedro Costa, presidente da Junta de Freguesia de Campo de Ourique. Esta obra é da responsabilidade do governo, não da CML nem das Juntas, mas o presidente da Junta está de acordo com o traçado – garantindo estar a trabalhar em algumas mudanças.

É que a ideia não é só chegar a Alcântara, mas também desenvolver uma estação de interface com a futura ligação de metro que irá até ao concelho de Oeiras (Linha Intermodal Ocidental Sustentável – LIOS). Além disso, há ainda a possibilidade de se melhorar as ligações com as estações ferroviárias de Alcântara-Terra, Alcântara-Mar e Alvito.

Assim sendo, a única outra hipótese viável seria o Quartel – mais acima. Mas aí há questões patrimoniais relacionadas com a proximidade ao Aqueduto das Águas Livres que são difíceis de contornar, e o presidente admite haver pressa em gastar o PRR. Além do mais, o Jardim da Parada é o único quarteirão verde que mantém uma distância segura dos prédios no bairro.

À Mensagem, o Metropolitano de Lisboa respondeu que este se trata de um projeto de natureza complexa dada a “diversidade de disciplinas em análise” mas que a solução proposta do Jardim da Parada advém de uma discussão com “diversas entidades de reconhecido mérito e competência”.

Estas respostas não satisfizeram os moradores.

Cláudia Moura e Catarina Mexia começaram até a ponderar alternativas ao metro, como escadas rolantes ou autocarros elétricos que levassem a população até à estação de metro mais próxima. Defendem ainda que a linha vermelha de pouco vai servir Campo de Ourique e mantêm-se firmes quanto à estação no Jardim da Parada.

A Junta de Freguesia diz ter começado desde cedo a trabalhar para minimizar os impactos da obra: “Garantir a proteção do património arbóreo do jardim, afastar o máximo possível os trabalhos das árvores classificadas e ainda reduzir os impactos permanentes no jardim depois de concluídas as obras”, diz Pedro Costa.

Na última sessão de esclarecimento, no dia 26 de maio, foi anunciado que serão apenas removidos seis lódãos (quatro que podem ser substituídos, dois que podem ser replantados) e que vai ser retirado um dos poços de ataque para uma maior segurança (os outros mantêm-se). Quanto ao parque infantil, há já planos para a construção de um ou até mesmo três parques. As casas de banho serão demolidas e o quiosque, que tem levantado dúvidas entre os moradores, continuará em funcionamento.

Dois anos de obras no Jardim da Parada

Mesmo com estes avanços, os moradores demonstram-se descrentes. “Na sessão de esclarecimento senti que todas as tentativas de cidadania ativa e lúcida foram censuradas”, acusa Cláudia Moura. Para ela, as alterações foram uma forma de amansar os protestos sem nada de definitivamente diferente.

Mas os moradores dizem que não baixam os braços, até porque a luta não está perdida: o projeto aguarda a Declaração de Impacte Ambiental (DIA) da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), a partir da qual se retomará o diálogo com a população.

Jardim da Parada Jardim Teófilo Braga árvores
O impacto da obra no Jardim da Parada já levou os moradores a questionar se realmente será preciso metro em Campo de Ourique. Foto: Orlando Almeida

É que o problema não são só os impactos a longo prazo no jardim, é também o período de dois anos (25 meses) de obras. “Vamos ter os mais velhos a jogar à cartas com o barulho de fundo da escavadora? O Jardim da Parada é um organismo vivo, não são só as árvores, vai desativar-se ali um espaço”, diz Cláudia.

Pedro Costa admite, sim, que as obras causarão incómodos: “Vão escavar-se quilómetros de rocha para lá passar um comboio dentro, vai haver pó e barulho”. Mas para o presidente da Junta este é um mal menor. E diz que já teve a garantia da parte do ministério do Ambiente de que é possível fazerem-se os arranjos urbanísticos antes do arranque da obra, que está a tentar que se mova um dos estaleiros para a faixa de rodagem, de forma a não se causar tantos distúrbios no jardim e a reduzir-se o tráfego, e que se plante 50 árvores para se compensar as perdas sofridas no Jardim.

Por tudo isto, neste momento, Pedro Costa diz já não compreender tanto descontentamento. “Eu tenho fé nas instituições públicas e se me dizem que este é o sítio mais seguro para se construir uma estação de metro, acredito”.

E a discussão em Campo de Ourique continua acesa.

Para defender aquela que é a sua casa Cláudia Moura recorda o livro Musa Irregular, onde o jornalista e escritor Fernando Assis Pacheco escreveu Regras para Viver em Campo de Ourique. A décima das regras: “Gostarias que de ti ficasse (mas qual?) uma memória. Em todo o caso não a forces”.

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Ana da Cunha

Nasceu no Porto, há 27 anos, mas desde 2019 que faz do Alfa Pendular a sua casa. Em Lisboa, descobriu o amor às histórias, ouvindo-as e contando-as na Avenida de Berna, na Universidade Nova de Lisboa.

ana.cunha@amensagem.pt

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11 Comentários

  1. Sou residente em campo de ourique e assisto mais ou menos confortável á lenta destruição do país pelo partido socialista de António Costa. Digo mais ou menos porque, apesar de detestar maus tratos ao país, o meu bairro protege-me dando alguma sensação de distância mantendo referências nos pontos certos. Até agora. O Pedro Costa parece ter a proteção do pai nas cruzadas políticas, mesmo contra o que a população pretende. Agora diz proteger o jardim, as árvores seculares e o património. Isto em linguagem socialista significa: vamos partir o jardim, escavacar património e abater as árvores, mas vamos ligar a máquina de campanha para baralhar e convencer as pessoas de que é para o bem delas. Por favor não mexam no jardim, logo neste jardim.

  2. Devo de dizer que estou a favor da chegada do metro a Campo de Ourique. Estive na sessão de esclarecimento e ouvi o que foi dito pelo metro e pelos meus vizinhos. As posições extremaram-se e deitou de poder haver um consenso nesta matéria. O jardim não vai fechar nem desaparecer. Irá haver constrangimentos na vida das pessoas e no trânsito já por si difícil no bairro. Mas será temporário. A única alteração que acho que deveria ser feita ao projecto apresentado é a redução de 4 para 2 saídas do metro.

  3. Boa noite, queria deixar a sugestão da contribuição livre poder ser mesmo livre 🙂 por exemplo, agora queria contribuir com um valor esporádico sem obrigação de periodicidade ou valor, mesmo só para vos apoiar – e sem receber nada em troca! Podiam criar essa opção ☺️ Obrigada

  4. Será bom que impere o bom senso, os meus avós viviam em campo de Ourique , o jardim da Parada merece mais respeito, é um património histórico de Lisboa

  5. Mas essa opção existe, Mariana. É a terceira opção quando abre a página.

  6. Nasci e vivi em Campo de Ourique, o metro é fundamental, mas por amor de Deus não mexam no Jardim da Parada. Acto criminoso se o fizerem e o presidente da junta como filho do PM só poderia achar bem e tem a cantiga do pai.

  7. Gostaria de ver esta questão abordada com a verdade e a lucidez que merece e longe do alarme, medo e emoção que têm sido usadas.
    A inclusão de Campo de Ourique e restante zona ocidental da cidade na rede do metropolitano é um direito e justa reivindicação desses cidadãos, só pecando por tardia.
    Não sei quais as competências técnicas dos opositores da localização prevista, muito menos posso confiar que as alternativas que indicam para construira estação,
    tenham maior consistência do que os aprovados e em execução.
    Essas pessoas só se representam a si próprias.

  8. Por motivos de saúde, só agora me apercebi da estação de metro no Jardim da Parada, para mim o último sítio a ser utilizado! Interrogo a necessidade de uma estação de metro em C. Ourique, com estações na
    Estrela e no Rato, e com autocarros e elétricos que fazem ligação. Há
    também um autocarro de circulação, que anda sempre vazio…

  9. O último sítio onde deviam colocar a saída do Metro é o Jardim da Parada. Este jardim é um ícone de Campo de Ourique. O que estava previsto era junto à Igreja de Santo Contestavel.
    Além disso estive a estudar o traçado proposto e não gostei. Não faz sentido os túneis cortarem o Bairro por baixo dos prédios que como sabemos muitos deles são muito antigos.
    Por favor estudem melhor o traçado e não arruinem ainda mais a cidade de Lisboa.

  10. A Linha Vermelha do Metro, como aliás a restante rede, carece do conceito de interoperabilidade ferroviária enquanto não puder dispôr da tecnologia de material circulante mais ligeiro, tal como existe, por exemplo, em Suttgart pois poderá vencer traçados com outras pendentes e soluções de superfície para não encarecer tanto o custo/km. Por outro lado, há uma falácia no que dizem ser os resultados do retorno sócio-económico, há muito ultrapassados nas cidades que optaram pelo LRT. O debate público do traçado da Linha Vermelha deve trazer outros cenários, os tais que nunca foram estudados pelo Metro pois, o modelo de território do concelho que eles seguem é o errado – ainda vem do modelo monocêntrico do fordismo e da sua zonagem funcional.

  11. A fartura é o que faz….. Quem tem tudo, ainda quer mais. E os moradores e a Junta de Alcântara não fazem nada?

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